Precarização de corpo e alma: O drama da superexploração dos trabalhadores da Almaviva em Maceió

Em Maceió, têm sido cada vez mais recorrentes os relatos de abusos e exploração envolvendo a empresa Almaviva e seus trabalhadores. São incontáveis os registros de maus tratos, controle do espaço e dos corpos dos funcionários. Determinados pelo implacável regime de exploração da patronal, sofrem até mesmo com limitação de tempo para realizar suas necessidades fisiológicas. O estopim chega com relatos de cortes salariais injustificados, ameaças por produtividade, demissões por justa causa sem validade judicial e entre outros descasos. A realidade dos operadores de callcenter terceirizados em Maceió reflete o cenário de extrema precarização que atinge sobretudo jovens trabalhadores em condição de vulnerabilidade social que inicial sua vida profissional no mercado de trabalho formal.

Mesmo diante deste quadro já decadente do regime de trabalho, no início do mês de setembro um novo escândalo envolvendo a empresa ganhou visibilidade nas redes sociais em Maceió. A empresa anunciou para seus funcionários que iria realizar uma “assembleia” onde iria pautar a proposta da empresa em relação ao reajuste salarial dos operadores de telemarketing. Isso escancarou mais um dos descasos praticados pela empresa: o salário pago a seus funcionários não sofria o reajuste do salário mínimo desde o ano de 2018, ou seja, os trabalhadores do telemarketing que atuam na Almaviva consistem no salário base deste ano – R$ 954,00 – com todos os descontos que incidem sobre ele. Se neste período o valor já exigia do trabalhador que operasse milagres financeiros para sobreviver, é de se saltar aos olhos as dificuldades que a categoria enfrenta em plena crise intensificada pela pandemia do novo Coronavírus.

Segundo relatos dos trabalhadores, esta é uma prática recorrente da empresa todos os anos. A Almaviva possui o hábito de atrasar a aplicação do reajuste do salário mínimo anualmente, parcelando os valores retroativos meses depois. A novidade diz respeito à demora para a aplicação do reajuste (onde os trabalhadores que atuaram no período tiveram que permanecer dois anos com seus salários congelados) e sobretudo à proposta de contrapartida da empresa: A Almaviva se propôs a pagar apenas o valor de R$150,00 referente ao reajuste retroativo do período que não foi aplicado e mais R$ 90,00 de “gratificação” para compor o valor saqueado de suas contas. As justificativas da empresa envolvem os supostos prejuízos acarretados pela pandemia do novo coronavirus e a argumentação de que a carga horária reduzida dos trabalhadores de 36 horas semanais isentaria a empresa de pagar o valor integral do salário mínimo.

Contudo, mesmo à luz da já nefasta reforma trabalhista aplicada no governo Temer, essas argumentações não passam de um esforço retórico fraco por parte da empresa. As atividades da empresa em Maceió sofreram pouquíssimas interferências durante o pico da pandemia na cidade, exigindo apenas a adaptação de uma parcela de seus funcionários ao regime de home office. Além disso, nenhum dos teleoperadores que prestam serviços à empresa trabalham em regime de intermitência, o que justificaria juridicamente o pagamento de sua remuneração abaixo do valor do salário mínimo vigente. Pelo contrário: o regime de trabalho intensamente controlado exige uma observação férrea ao registro de ponto e tempo de pausas, sob pena de imediata aplicação de descontos ao já reduzido salário dos trabalhadores.

Ainda de acordo com os relatos dos funcionários da Almaviva, a execução da “assembleia” que votaria a proposta da empresa (e apenas esta proposta), foi levada nos termos da própria patronal. Apenas funcionários selecionados puderam votar nas propostas e a seleção priorizou funcionários mais novos (e, portanto, mais persuasíveis). Circulam nas redes sociais vídeos gravados por trabalhadores da empresa que mostram funcionários pegando táxis pagos pela empresa exclusivamente para comparecer à votação e votar a favor da proposta da patronal. Somado a isso, circulam também imagens de funcionários apresentando suas cartas de demissão logo após votarem contra a proposta de saque de seus direitos.

Este é apenas mais um capítulo na tragédia em que consiste a realidade dos trabalhadores do telemarketing em Alagoas. Vendendo a ideia de gerar empregos e incluir no mercado de trabalho setores socialmente vulneráveis (LGBTQI+, mães, pessoas com necessidades especiais…), a Almaviva proporciona um dos mais caricatos retratos da precarização dos trabalhadores urbanos de Maceió. Diante do terror de vivenciar o desemprego, os trabalhadores de telemarketing se vêem obrigados a se submeter à superexploração de sua força de trabalho em condições humilhantes, tendo todo seu espaço controlado até mesmo fisicamente pela empresa. Os resultados são o adoecimento físico e psicológico destes trabalhadores, que acabam desenvolvendo transtornos psiquiátricos graves, problemas de saúde relacionados ao esforço repetitivo, disfunções urinárias comprometidas e tantas outras condições insalubres por um salário que – pela “caridade” dos lobos das empresas terceirizadas – muitas vezes sequer chegam ao salário mínimo, apelando até mesmo para a ilegalidade e extorsão para garantir seus superlucros.

Contudo, de acordo com o próprio CEO da Almaviva do Brasil, Francesco Renzetti, a empresa segue na contramão da crise. Em 2019, a Almaviva do Brasil conseguiu atingir a receita de R$ 1 bilhão, representando um crescimento de 3,6% em relação ao ano anterior. O grande tubarão do setor afirma que o crescimento foi resultado do bom desempenho da empresa no ano de 2018. Se o modus operandi da empresa consiste em extração compulsória lucro à margem da legalidade e com o sacrifício da saúde e bem-estar dos seus trabalhadores, é realmente necessário parabenizar o empenho da direção da Almaviva do Brasil.

É pela necessidade de superação desta forma vampiresca de exploração que se faz necessário o fortalecimento da luta dos trabalhadores do telemarketing atualmente. Num estado como Alagoas, tão dependente da arrecadação do setor de serviços, a qualidade de vida dos trabalhadores que compõem o setor deve ser uma prioridade.