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PR | Caso de jovem morto pela PM há três anos escancara o papel da mídia no incentivo à violência policial

Por Rede Nenhuma Vida a Menos, Curitiba, Paraná

No dia 17 de abril de 2021, há exatos três anos, Willian Lucas Souza Nascimento, de 25 anos, foi assassinado pela polícia militar na Vila Francelina, que fica no bairro Uvaranas, em Ponta Grossa (PR), a poucas quadras da casa onde morava com a família. A PM, como de costume, alega que houve confronto, que o jovem teria fugido de uma abordagem e trocado tiros com a polícia. Seus familiares contestam a versão e apontam uma série de contradições nos relatos da PM.

“Meu filho era um jovem, trabalhador, tiraram a vida dele muito cedo. Hoje a gente luta pela memória dele, mas também pra que nenhuma outra família passe pelo que passamos”, diz o pai do jovem, Claudmir Ferreira do Nascimento.

Na noite em que foi morto, Willian estava em um bar com amigos. Enquanto relaxavam e descansavam, a polícia militar fez uma abordagem no local, revistou todos os que estavam no bar, inclusive os donos, realizando ali várias agressões. Segundo testemunhas, Willian teria filmado a ação com seu celular e, por isso, foi ameaçado pelos agentes. Mais tarde, enquanto voltava pra casa, o jovem foi perseguido pelos policiais, emboscado em um terreno da região e alvejado com pelo menos 6 tiros, nos braços e nas costas — um deles à queima roupa, o que desqualificaria confronto. O celular dele, onde estariam as filmagens, nunca mais foi encontrado.

O caso ainda é objeto de inquérito policial, ou seja, ainda está sendo investigado, três anos após o ocorrido. Para alguns veículos de comunicação, no entanto, parece que os policiais já foram absolvidos e Willian julgado e condenado: na época, diversos portais de notícias divulgaram apenas a versão da PM sobre o caso, como sendo a verdade, sem ouvir ninguém da família do jovem e sem sequer mencionar que a história estava sendo contestada e que seria investigada.

O portal D’Ponta News, por exemplo, afirmou categoricamente que Willian efetuou disparos contra a polícia e por isso foi alvejado — na realidade, até hoje não há nenhuma prova consistente que indique isso, pelo contrário, os projéteis encontrados no local não condizem com a arma que supostamente foi encontrada com ele, apenas com as dos policiais.

O mesmo fez a emissora de rádio Mundi FM. Além de divulgar somente a versão dos policiais, publicaram a imagem de Willian junto com armas e drogas que supostamente teriam sido apreendidas no terreno onde ele foi assassinado (uma casa com a qual ele não tinha nenhuma relação, não frequentava, não era sua ou sua família). Assim, os apresentadores vincularam o jovem ao tráfico, sem qualquer prova dessa ligação. Afirmaram também que mais mortes provavelmente iriam acontecer, porque a polícia estava nas ruas “à cata dos traficantes”. E ainda parabenizaram a polícia por essa brutalidade: “ponto para a polícia”, comemorou Marcelo Rangel, radialista, atual deputado estadual e um dos donos da emissora.

Papel da mídia

A forma como boa parte dos portais veicularam o caso de Willian, infelizmente, não é novidade. Frequentemente veículos de comunicação expõem os casos de violência policial de forma parcial, julgam, condenam e adjetivam jovens assassinados com informações que acabaram de receber e sem apurar devidamente. Se morreu nas mãos da polícia, automaticamente é considerado traficante, assassino ou ladrão, o que na visão deles seria suficiente pra vítima ser culpabilizada e condenada à morte, antes mesmo de qualquer processo ou julgamento.

Muitos veículos também ferem um princípio jornalístico que é o de ouvir todos os lados da história, noticiar fatos e reportar informações com o máximo de imparcialidade possível. A família da vítima quase nunca é entrevistada. Assim, esses jovens assassinados são difamados e sua família, que já está em sofrimento, é novamente vitimizada.

Isso porque, na realidade, as mídias não são imparciais. Veículos de comunicação têm seus donos, normalmente são pessoas ricas, muitas vezes políticos inclusive, que defendem seus próprios interesses e os da classe que fazem parte. A rádio Mundi FM, por exemplo, é comandada por uma família — por Marcelo Rangel que além de deputado estadual, é secretário estadual de Inovação, Modernização e Transformação Digital, já foi prefeito de Ponta Grossa por duas gestões e atualmente é pré-candidato a prefeitura novamente; por seu irmão, Sandro Alex, deputado federal e secretário estadual de Infraestrutura e Logística; e por seu pai, Nilson de Oliveira, que também é sócio da Rede Massa em Ponta Grossa. A própria Rede Massa, diga-se de passagem, é de propriedade de Ratinho, pai do Ratinho Jr., governador do Paraná.

Os donos das mídias escolhem a linha editorial que seu veículo vai seguir, ou seja, definem um conjunto de valores, de ideias, de assuntos que vão orientar suas publicações, decidem o que noticiar e como. Muitos então optam por explorar o medo da criminalidade, estimular a sensação de insegurança na população, incitam a violência, ainda mais a violência policial, para depois se apresentar como solução enquanto políticos, prometendo acabar com a impunidade.

Também reforçam um estereótipo de pessoa criminosa, associam a imagem do negro, pobre, periférico à bandidagem. Nessas mídias, quando pessoas brancas, de classe média, estão envolvidas com atos ilícitos, as palavras são suavizadas. Em uma mesma semana o Portal G1 veiculou duas manchetes diferentes: “Polícia prende jovens de classe média com 300kg de maconha no Rio” e “Polícia prende traficante com 10 quilos de maconha em Fortaleza”. No primeiro caso, eram dois jovens brancos, identificados ao longo da matéria como rapazes e pelos seus próprios nomes. No segundo caso, apesar da quantidade menor de drogas apreendidas, o jovem negro, morador de favela, foi identificado pelo portal como suspeito e traficante.

G1
Imagem: reprodução G1

Essa é uma das formas pelas quais o extermínio da população negra, pobre e periférica é naturalizado dentro da nossa sociedade. Jovens e crianças são assassinados dentro das favelas e comunidades diariamente, mas as pessoas são convencidas de que isso é normal, não se indignam, não acham que é algo inadmissível.

A grande mídia, a mídia burguesa, têm um papel fundamental para essa naturalização. E enquanto seus donos enchem os bolsos de dinheiro, muitas vezes dinheiro público, são anos e anos incentivando e aplicando uma política de segurança baseada na repressão, no encarceramento, na brutalidade, no policiamento ostensivo, e na prática o problema da violência não é resolvido, pelo contrário, só aumenta.

Arquivamento de casos e morosidade

Em 2021, 417 pessoas foram assassinadas pelas forças policiais no Paraná. Dentre os casos, apenas 3 foram objeto de ação penal contra os policiais, segundo levantamento mais recente da Defensoria Pública do Paraná. Ou seja, mais de 99% dos casos são arquivados. Em nota técnica, publicada pelo Núcleo da Política Criminal e Execução Penal (Nupep) no ano de 2022, em pelo menos 23 casos sequer foi encontrado qualquer procedimento investigativo.

Na nota, a Defensoria também aponta como as apurações se restringem aos boletins de ocorrência, onde a narrativa é sempre muito semelhante: o policial aparece como vítima e o civil, morto, como alguém que provocou a violência. De forma apressada, a investigação se encerra e o assassinato é prontamente legitimado.

Os pouquíssimos casos que chegam a ser objeto de algum tipo de investigação levam anos para serem concluídos. No caso de Willian, passaram-se três anos e o inquérito ainda não foi finalizado. Segundo reportagem da Revista Piauí, a morosidade é um jogo de empurra entre Ministério Público e Polícia Civil. “O Fórum Justiça ouviu operadores do direito, como defensores, promotores e advogados da OAB. Eles relataram ser muito comum que o MP peça novas diligências para a Polícia Civil e que a mesma demore a entregar resultados satisfatórios”, afirma a publicação. No Rio de Janeiro, por exemplo, o MP demora em média quatro anos até decidir fazer a denúncia e aproximadamente oito anos para finalizar o processo.

Pela memória de Willian

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Foto: Rede Nenhuma Vida a Menos

Willian, um jovem negro, nasceu em Vila Velha, na região metropolitana de Vitória, Espírito Santo, e veio para o Paraná em 2019. Tinha 25 anos, era pai de um menino de 3 anos, havia recém conseguido um emprego como montador de estruturas metálicas e falava em dar uma vida melhor para seu filho e seus pais. “Ele era um meu menino grande, um sonhador, um amigo verdadeiro, muito solidário. Depois que ele morreu, ficamos sabendo que ele ajudava crianças do bairro, com alimentos. Era muito amado”, conta a mãe, Rogéria de Souza Nascimento. “Ninguém tinha direito de tirar a vida dele. Justiça pra mim é deixarem nossos jovens viverem”, finaliza.

Willian presente! Pela memória de todos os que perdemos nessa barbárie! Pelo fim da violência policial!

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