Povo Ka’apor teme o enfrentamento com invasores madeireiros e o coronavírus

Estamos no mês de abril, mês que no calendário Awa’i (não indígena, para o povo Ka’apor), comemora-se o dia do Índio, um período em que os não indígenas reforçam os estereótipos do que é ser “índio”. Parafraseando o aguerrido etnólogo Eduardo Viveiros de Castro: “Todo mundo é índio, exceto quem não!”. Nesse sentido, o que temos a comemorar? Os preconceitos velados, as agressões e assassinatos de lideranças? O avanço do agronegócio através de invasões de madeireiros e fazendeiros? Os ambiciosos projetos de barragens hidrelétricas e de exploração mineral? Os diversos crimes e a omissão dos governos em garantir os direitos dos povos originários?

Enquanto isso, as estatísticas mostram que mesmo diante da atual conjuntura de pandemia do COVID-19, os territórios indígenas no Brasil continuam sendo desrespeitados, tornando-se alvos vulneráveis da devastação e da ganância, que faz avançar os projetos de morte sobre a vida desses povos e sobre toda biodiversidade da qual são os verdadeiros guardiões. Nesse momento, a aproximação de grileiros, garimpeiros, caçadores, madeireiros, fazendeiros e missionários ao território, reforçam a permanência deste projeto de morte, que agora expõe os povos originários ao risco de contaminação do novo coronavírus.

Nesse contexto, o povo Ka’apor, que habita a região do Alto-Turiaçú, Estado do Maranhão, também são vitimados como os demais povos indígenas no Brasil, pela negligência, inoperância e omissão do poder público. Por isso, a necessidade de denunciar através desta nota, a invasão de madeireiros em quatro pontos do território; as ameaçadas dos pistoleiros às lideranças; a omissão do Distrito Sanitário Especial Indígena do Maranhão – DSEI, corrompido por interesses escusos e que se nega a contratar profissionais de saúde, que poderiam dar continuidade ao trabalho de assistência à saúde, que está sendo realizada de forma precária pelo próprio povo Ka’apor; o autoritarismo e desrespeito a autonomia e autodeterminação do povo Ka’apor por parte da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, que se recusa a reconhecer os Tuxa Ta Pame (Conselhos de Gestão Ka’apor), como um espaço de gestão do próprio povo como recomenda a Convenção 169 da OIT.

Diante disso, os Tuxa Ta Pame do povo Ka’apor tem dado uma demonstração de civilidade, humanidade e gestão compartilhada em defesa de seu povo e pelo Bem Viver na floresta. Portanto, é nesse sentido que nos somamos às organizações sérias e comprometidas que denunciam as atrocidades e lutam por justiça e liberdade para esses povos, pois não pactuamos e nem seremos coniventes com um governo fascista e etnocida. Nos somamos aos cuidadores Ka’apor, jovens que se dedicam a saúde de seu povo, que mesmo diante das dificuldades para compreender esse contexto de pandemia, estão empenhados em orientar o seu povo nas áreas de proteção e aldeias, vulneráveis às invasões, assim como, orientar às famílias a se manterem na mata em isolamento social. No mesmo sentido, nos solidarizamos com a Ka’a mu katu ha (Guarda de Autodefesa Ka’apor), que mesmo com eminência de conflitos se deslocam para os ramais com incidência de invasão.

Diante de tudo, denunciamos o atual contexto vivido pelo povo Ka’apor e exigimos urgentemente dos órgãos competentes ações assistenciais, de defesa e proteção que possam assegurar os seus direitos. No mesmo sentido, seguimos com a esperança de que após a pandemia, nada volte a uma normalidade que viola os direitos indígenas, e que a realidade vivenciada pelos povos originários no Brasil passe a ter um contorno diferente, uma nova história, e que o mundo Awa’i possa aprender com os povos da floresta as razões que os levaram ao colapso social, respeitando e se aliando à vida, como nos ensina a guerreira e educadora Myrimy Ka’apor: “A floresta é minha mãe, nossa vida está na floresta”. Pois, a natureza ainda vive e pulsa livremente nessa última área de floresta da Amazônia Oriental sob a proteção do povo Ka’apor, porque esses guerreiros tupinambás da floresta acreditam no Ka’a namõ Jumu’eha Katu (Aprendendo com a Floresta).

Atenciosamente,

Jumu’eha renda Keruhu – Centro de Formação Saberes Ka’apor.