Material produzido pelo Coletivo Quebrando Muros publicado originalmente em seu blog oficial
Foto de capa: Ramiro Furquim/Sul 21
*Atualização: em Curitiba o aumento da passagem foi adiado para o dia 25 de março
Na segunda-feira, dia 7 de janeiro de 2019, os paulistanos de 7 municípios acordaram com aumento de tarifa, de 4 reais para 4,30 [1]. O aumento segue pelo Brasil, como de praxe no início de todo ano, e não é diferente para Curitiba [2]. O motivo apresentado é sempre o mesmo, a inflação, os gastos com novos ônibus, a integração com a Região Metropolitana e agora a diminuição de passageiros e para compensar outros anos em que não ocorreram reajustes [3].
Devido ao aumento do salário e a taxa de desemprego manter-se igual nos últimos anos [4], o aumento da tarifa acaba se sustentando, pois os usuários ainda possuem como pagar diante a necessidade. Acaba não acarretando em uma crise de demanda, apesar de ser possível, visto que em Curitiba há constante queda no número de pessoas que utilizam o transporte público [5]. O aumento da tarifa estimula a busca por outros meios de transporte, considerando as longas distâncias de trabalho ou intempéries, nem sempre essa escolha será a bicicleta. Aumentam o número de carros individuais em trânsito, prejudicando ainda mais a mobilidade na cidade. Em relação ao aumento da venda de carros e motos ainda podemos dizer que existe um desenvolvimento programado ligado a esse crescimento, é um crescimento econômico, impulsionado pelo Estado, que colabora para a deterioração das nossas cidades.
Ao levarmos em consideração que 6% do salário dos trabalhadores com carteira assinada é retido para pagamento de transporte, ou seja, pagamos para ir trabalhar, o aumento já se faz danoso. Consideremos então os 37,3 milhões de trabalhadores brasileiros que se encontram na economia informal [6], que utilizam muito mais que 6% para se locomoverem pela cidade. A tarifa, nesse caso, além de ferir o Direito à Cidade, também se constitui como barreira na busca por melhores oportunidades de emprego. Isso sem citar que o trabalhador informal ganha menos e que a sua maioria é o povo preto.
As nossas cidades ainda são um negócio lucrativo para alguns, vistas como máquinas de crescimento, aplicando modelos pós-modernos de privatização de cidades, produtos que podem ser vendidos aos que tiverem dinheiro e interesse. Esse modelo de economia defende concessões urbanísticas, parcerias público-privadas, megaeventos, obras caras em lugares aleatórios, venda de certificados de potencial construtivo adicional dentre outros muitos modos de se conciliar com quem tem dinheiro. Acontece que ela já chegou no fim da linha para outros, quanto mais dinheiro entra mais caótica fica – “trata-se de uma urbanização desurbanizadora –, assim como o crescimento econômico não produz necessariamente desenvolvimento e equidade social.” [7]
Quando defendemos a tarifa zero significa que o transporte público é um direito urbano fundamental, aquele que conecta todos os outros direitos (educação, saúde, lazer, cultura, esportes). Por mais que o passe livre pareça distante, sentimos que ele é necessário e justo.
Urbanização de Curitiba S.A.
No Brasil, a prestação de serviços de transporte público coletivo são de competência do Município, podendo ser prestados direta ou indiretamente. Se ocorrer de forma indireta, o serviço é regulamentado pela lei 8987/1995, exigindo processo licitatório. Em Curitiba, a permissionária é a Urbanização de Curitiba S.A. (URBS), que nunca participou de licitação [8]. A URBS é uma sociedade de economia mista encarregada de gerenciar e fiscalizar o transporte coletivo (ônibus, táxi, fretamento e transporte escolar), além de administrar os equipamentos urbanos públicos e operacionalizar o sistema de trânsito.
O que isso quer dizer? Significa que nunca houve disputa entre empresas para a prestação de serviços. A URBS ganhou a permissão depois que Roberto Requião, no seu governo (1986-1989), revogou os antigos contratos de concessão e outorgou a permissão à URBS. Em segundo lugar, existe diferença entre conceder a prestação de serviços e de permitir.
Como isso funciona? A URBS, por ser uma economia mista, tem a maior parte de suas ações de pessoas jurídicas de direito público. Sua existência foi instituída na Lei Municipal nº 2.295 de 21/08/1963, pelo seguinte texto: “Fica o Poder Executivo autorizado a constituir, na forma desta lei, uma sociedade por ações, sob a denominação de Companhia de Urbanização e Saneamento de Curitiba – URBS -, destinada a administrar o Fundo a que se refere o artigo 1º, aplicando-o na realização e financiamento de obras de urbanização e saneamento do Município de Curitiba”. O Fundo referido no texto é o Fundo de Urbanização e Saneamento (FURBS), que centraliza os recursos arrecadados pela tarifa do transporte coletivo e por outros serviços prestados pela administração municipal. Na prática, a URBS assume o papel que o Município deveria assumir, ela presta e contrata empresas para prestação de serviços, como as linhas metropolitanas integradas à Rede Integrada de Transporte (RIT), redirecionando o capital desse fundo para essas empresas. O vínculo jurídico das empresas é, portanto, apenas com a URBS e não com os usuários.
As empresas contratadas têm, portanto, apenas o contrato como mediador de seus serviços, contrato esse que é submetido ao princípio do equilíbrio econômico-financeiro, decorrente do princípio da segurança jurídica, que protege a empresa contratada, aqui estamos falando em assegurar o lucro.
Requião havia sido eleito com apoio do movimento popular, com o discurso de abolição do lucro das empresas privadas, na prática o que houve foi só que as empresas deixaram de ser concessionárias e se tornaram permissionárias. Os contratos ficaram menores e submetidos à maior controle do Município. Nessa mesma jogada Requião criou a frota pública, o que significa que a empresa só ficou responsável por operar os ônibus, tendo o município que se preocupar com a destinação do veículo ao fim de sua vida útil.
A tarifa é calculada por quilometragem rodada, a questão da passagem única ser pelos usuários de menor distância “pagarem” para os de maior distância poderem utilizar. Para assegurar o lucro, pode não ser aumentada a tarifa, mas pode ser cortar as isenções, não a de idosos que é assegurada por lei, mas o desconto para estudantes, por exemplo, ou ainda cortar o posto dos cobradores. A URBS em si já está obsoleta e a Região Metropolitana já experimentou e sabe qual será o futuro de Curitiba: o Metrocard. Por isso é necessário ficarmos atentos, a luta não termina no congelamento da tarifa, ela apenas começa.
PELO PASSE LIVRE!