Por que Bolsonaro não gosta do Nordeste?

O Nordeste são nove Estados da Federação. O Maranhão da Balaiada. O Piauí de Manu Landino. O Ceará do Caldeirão. O Rio Grande do Norte dos Potiguaras lutando contra a catequização cristã. A Paraíba da Revolta do Quebra-Quilo. O Pernambuco da Praieira. A Alagoas de Zumbi e Dandara de Palmares. O Sergipe e seu combativo movimento operário dos séculos XVIII e XIX. A Bahia dos Malês.

Na música somos Luiz Gonzaga, Alceu Valença, Zé Ramalho, Jackson do Pandeiro, Belchior, Tom Zé, Otto, Chico Science e Nação Zumbi, Baiana System, Gilberto Gil, Geraldo Azevedo, Chico César, Caetano Veloso, Chico Buarque, Novos Baianos, Ednardo, Amelinha, Ilê Ayê e outros.

Na literatura somos o cordel, a xilogravura, a geração de 30 do modernismo: aquela inspirada nas agruras que o nordeste sofreu pela concentração de terra. Somos Patativa do Assaré, Raquel de Queiroz, Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego, Euclides da Cunha com sua célebre afirmação “o sertanejo é antes de tudo um forte” e Ariano Suassuna.

Em termos territoriais temos 1.554.257,0 quilômetros quadrados, sendo o terceiro maior complexo regional do Brasil, ocupando 18,2% da área do país. Conforme dados do Censo Demográfico de 2010, realizado pelo IBGE, a população nordestina totaliza 53.081.950 habitantes, abrigando cerca de 28% da população residente no Brasil. Mas para o colonizador somos A Paraíba.

Embora amemos a Paraíba pelas suas lutas populares, sua música, literatura e a linda praia de Seixas com piscinas naturais, é preciso reconhecer que Bolsonaro usou o tom pejorativo para se referir a todos que vivem no Nordeste, buscando destruir nossa diversidade como Povo assim como fez o colonizador com o povo negro escravizado tornando-os todos “Africanos” ou com etnias indígenas tornando-as todas “índios”, invisibilizando aspectos sociais, linguísticos, espirituais e culturais que os definiam como povo.

Por outro lado é fácil entender porque Bolsonaro não admiti a força e diversidade da nossa Região. O Nordeste não aceitou um projeto político contra os mais pobres: de ódio à pobreza, misógino, homofóbico, de extermínio dos povos tradicionais indígenas e rurais, de violência institucionalizada nas periferias e contra os movimentos sociais.

Bolsonaro perdeu em todos os estados do Nordeste e o Ceará foi o único estado em que ele não logrou primeiro ou segundo lugar. Isso não significa que seus seguidores não existam por aqui. Eles existem, mas são minoria nas nossas famílias, escolas, universidades, trabalho, bairro. Diante dessa minoria se apresenta o Governo atual e seus escândalos de cortes de recursos da educação, corte de medicamentos fornecidos pelo SUS, nepotismo, relações com milícias e com o tráfico de entorpecentes, xenofobia e tantos outros que fazem com que seus eleitores de outrora reconheçam o erro sobre o qual depositaram suas expectativas de mudanças.

Segundo o Ibope, a região Sul se consolida como a de maior popularidade de Bolsonaro, e é a única em que mais de 50% avalia o governo como ótimo ou bom: o índice é de 52%. Na região Nordeste subiu de 40% para 47% o número de brasileiros que consideram o governo ruim ou péssimo.

Em seus primeiros 140 dias de governo, Bolsonaro não pisou em terras nordestinas mesmo tendo viajado em serviço “institucional” por vários países da Europa e da América. Em Recife, na sua primeira visita, chegou de helicóptero e passou longe das dezenas de pessoas que se manifestavam no local contra os cortes na educação pelo Governo Federal.

A formação social, racial e histórica do Nordeste tem suas raízes na concentração de terra e na escravização do trabalho do povo negro, como no resto do território nacional. Junte-se a isso a concentração da água nas mãos de poucos e a ausência de políticas públicas de convivência com o semiárido que poderiam ter evitado os colapsos sociais ocasionados pelas diversas secas que atravessamos. Sucessivamente, o Nordeste, como todo território nacional, sofreu as agruras da concentração de renda e da violação de direitos dos mais pobres.

Mas somos de uma terra que o povo padece, mas não esmorece e procura vencer. O repúdio de Bolsonaro é porque sabe que o Nordeste o rejeita, assim como rejeita suas pautas de destruição de direitos, arrocho neoliberal sobre os mais pobres, autoritarismo institucionalizado e estado policial sobre nosso povo negro.

Melka Barros é advogada, militante de Direitos Humanos e da luta pelos territórios de povos tradicionais no Ceará.

Fontes

https://www.valor.com.br/politica/6322775/ibope-governo-bolsonaro-tem-maior-rejeicao-desde-posse

https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2019/05/24/bolsonaro-faz-primeira-visita-ao-nordeste-desde-que-foi-eleito.ghtml