Por Repórter Popular – SC
Nesta segunda-feira (08/8) ocorreu a audiência final de revisão do Plano Diretor de Florianópolis, com início às 16h00, no auditório Centro Sul. O processo de consulta à população para a revisão do plano durou pouco mais de um mês, foi iniciado em 29/06 e, até a audiência final, foi realizada uma audiência pública em cada distrito municipal. As audiências públicas só ocorreram por exigências judiciais e pressão popular, porque a proposta inicial de revisão da Prefeitura não previa a realização de consultas distritais.
A audiência final foi dividida em duas partes e estiveram presentes cerca de 500 pessoas, em um auditório preparado para comportar até 2400. A quantidade de pessoas que estiveram presentes pode ser explicada pela questionável escolha de dia e horário para a audiência, já que se trata de horário de trabalho para grande parte da população, que sequer teve oportunidade de participar dessa discussão. Parte da população compareceu vestindo narizes de palhaço e expondo cartazes para denunciar o processo apressado de revisão do plano diretor empreitado de cima para baixo pela prefeitura. Na primeira parte da audiência, a gestão atual da prefeitura e respectivas secretarias municipais apresentaram suas propostas para o novo plano diretor. Na segunda parte, foram abertas inscrições para fala dos demais presentes.
A primeira parte teve duração aproximada de 2 horas e teve início com a apresentação metodológica do processo de revisão do plano, feita pela coordenadora jurídica do projeto. Em seguida, cada secretaria municipal apresentou dados infraestruturais e técnicos do município por meio de projeções em slides.
O secretário de saúde, Carlos Alberto Justo da Silva, apresentou vários dados quantitativos sobre as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) em Florianópolis e seus quadros de funcionários. Porém, pouco explicou sobre o significado dos dados, não mencionou as condições de atendimento dos usuários, nem discutiu as condições de trabalho dos técnicos em saúde.
De maneira similar, o secretário da educação, Maurício Pereira, não explicou como as alterações propostas para o plano diretor afetariam concretamente a realidade das escolas municipais, que enfrentam uma dura realidade com salas de aulas superlotadas e quadros de professores e salários cada vez mais arrochados.
Destacou-se a apresentação do coronel Araújo Gomes, secretário de segurança pública municipal, que foi recebido com vaias de alguns membros do auditório. O coronel tentou justificar a necessidade de revisão do plano diretor atual por meio da “Teoria do Triângulo do Crime”, e em certo momento declarou: “…tem coisas que não dá pra resolver na brutalidade porque a lei não permite”, o que resultou em gargalhadas e deboche por uma parcela dos presentes.
A primeira parte da audiência foi encerrada com a exposição da Secretaria Municipal de Mobilidade e Planejamento Urbano, que defendia o adensamento das áreas urbanas em Florianópolis. A Secretaria utilizou o adensamento urbano e os problemas de mobilidade na cidade como pretexto para flexibilização dos coeficientes urbanísticos, tornando zoneamentos mais permissivos para a construção de edifícios com muitos pavimentos e em áreas de preservação ambiental.
A exposição foi interrompida diversas vezes por vaias e gritos por parte da população, que entendem que essas flexibilizações atendem mais aos interesses do mercado imobiliário e de grandes proprietários de terras do que aos interesses dos munícipes. Defendiam também que zoneamentos mais permissivos podem vir a resultar em violências inadmissíveis sobre a natureza. Incomodado com as interrupções, o apresentador acusou os manifestantes de não terem propostas para o município, ao que foi respondido com gritos de: “nós temos propostas, o senhor não nos ouve!”, “não somos palhaços!” e “mobilidade urbana é transporte público, não é construção!”
Ilha da Magia, ela é do povo, não é da burguesia!
Na segunda parte da audiência, quase todas as falas foram contrárias ao que estava sendo imposto no novo plano diretor da prefeitura. Rapidamente o número de inscrições chegou a 100, ainda nos primeiros minutos de abertura de inscrições, e continuou a aumentar. As falas se estenderam até, pelo menos, 1h00 da madrugada de terça-feira (09/08), quando ainda haviam pessoas inscritas, algo que demonstra o interesse da população em participar das decisões locais, mesmo que haja um esforço por parte da prefeitura em distanciar a tomada de decisões dos interesses do povo.
Houve distribuição de panfletos assinados por diferentes Associações de Moradores que repudiam o processo de revisão do plano diretor, como a nota de repúdio do distrito de Santo Antônio de Lisboa, assinada pela Associação dos Moradores de Cacupé (AMOCAPÉ), Associação dos Moradores de Santo Antônio de Lisboa (AMSAL) e Associação do Bairro de Sambaqui (ABS). Moradoras alegam que o processo foi imposto de forma autoritária e antidemocrática, sem que o povo tivesse oportunidade de entender e analisar as propostas em tempo adequado.
Várias manifestações populares apontaram para a necessidade de mais audiências, pois a prefeitura, até o momento, não apresentou uma minuta de lei. A não apresentação da minuta é um aspecto central do problema, pois a minuta nada mais é que um projeto do que se pretende fazer, e é preciso conhecer o projeto para que se possa dialogar efetivamente sobre seus aspectos negativos e positivos. Para as queixantes, uma audiência final deveria apenas ser realizada depois que as comunidades se apropriassem da proposta e pudessem fazer destaques no documento.
A população reclamou que as audiências feitas tiveram um caráter apenas consultivo e não deliberativo. Argumentaram, ainda, que as demandas trazidas nas audiências não eram incorporadas nas proposições da gestão municipal. Reivindicaram, além de maior poder efetivo de decisão sobre as questões da cidade, maior transparência da gestão e a disponibilização de dados atuais, uma vez que o processo de revisão do plano diretor tem sido conduzido com base em dados defasados.
As preocupações demonstradas foram inúmeras, porém as mais recorrentes denunciavam o aumento dos coeficientes urbanísticos sem a prévia instalação de infraestrutura, como rede de esgoto, sistema viário, vagas em escolas e hospitais. Levantaram-se também preocupações com as áreas de preservação ambiental e áreas verdes de lazer, que estariam sendo prejudicadas em benefício de setores imobiliários, comerciais e turísticos.
Uma das falas da população foi reproduzida em forma de jogral pelo auditório, em que se exigiu mais estudos técnicos e maior preparação e diálogo com as comunidades locais. A prefeitura também foi acusada de estar alinhada com os interesses do mercado imobiliário. A fala-jogral foi encerrada com aplausos e em um coro da população que repetia: “Ilha da Magia, ela é do povo, não é da burguesia!”.
A mídia burguesa, assim como canais de comunicação próximos à prefeitura, têm divulgado com orgulho que a participação nessa audiência final teria sido enorme e batido recordes. O problema com essa narrativa é que o parâmetro de comparação para afirmar essa ampla participação são as audiências distritais, que certamente teriam uma menor participação numérica, já que os distritos são compostos por parcelas menores da população, mas, por outro lado, é nesses espaços mais localizados que a discussão poderia ser aprofundada. Ou seja, se orgulhar de dizer que na audiência final a participação popular foi grande, esconde o problema principal apontado pela própria população em suas manifestações ao longo da audiência: de que não houve tempo e interesse da prefeitura para conduzir discussões aprofundadas nos distritos. Ainda, essa narrativa reforça a lógica arbitrária de imposição com que tem sido conduzido o processo de revisão do plano.
A prefeitura de Florianópolis ainda não respondeu satisfatoriamente aos anseios da população, que segue em luta para que possa decidir sobre o futuro da cidade.
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