Recentemente andei escrevendo aqui sobre O bebê de Rosemary (1968), de Roman Polanski. Depois deste assisti ao Repulsa ao sexo (1965), que faz parte da mesma Trilogia do Apartamento, como é conhecida. Ainda me falta um, O inquilino (1976), e talvez eu retorne ao tema quando eu o ver. Ambos os filmes tem como centro da narrativa a violência machista, principalmente do estupro, tema este que é envolvido em uma ambiência de terror psicológico, construído por vários elementos dos filmes, como fotografia, cenário, direção de atores, tudo sob o comando da mão firme de Polanski.
Contudo, há uma controvérsia sobre a obra de Polanski que vou adentrar um pouco e que diz respeito a sua vida pessoal, que como disse no outro texto, deve ser separada de sua obra. Isto vale para todos os tipos de arte e de artistas, porque se trata de esferas diferentes de discussão: a vida privada da pessoa que é artista, e a obra de arte que ela ajuda a criar, mas que contém elementos da vida social de seu tempo e lugar. Isso não significa que ao comentar um filme de Polanski eu vou me furtar a comentar que ele é um escroto como pessoa, um assediador, para dizer o mínimo – e confesso que não sei muito da sua vida privada cercada de escândalos sexuais.
O que é interessante de pensar aqui é que Polanski é um dos diretores de cinema mais execrados por sua vida privada, justamente pelos motivos acima citados, e talvez seja um dos melhores a criar obras de arte que explicitam a violência machista com uma qualidade estética superior. O que significa isso? Significa que através de seus filmes, das obras de arte que ele produziu, conseguimos compreender o machismo estruturante das relações sociais ao redor do mundo, especificamente, nos casos de seus filmes, do machismo nas sociedades ocidentais, principalmente norteamericana e europeia (França principalmente).
Dizer isso significa que estou olhando especificamente para as obras de arte de Polanski, ou seja, seus filmes, e através deles vejo a explicitação do machismo e de sua violência. É engraçado pensar que um diretor conhecido como assediador faça filmes que explicitem essa violência, e não filmes que fazem apologia, mas que mostram as conseqüências físicas e psicológicas de mulheres que sofrem com o machismo estrutural. Um exemplo estético – porque esta é uma coluna sobre cinema – é a imagem que ilustra o texto: se trata de um momento de delírio da protagonista, que se vê num corredor escuro com muitas mãos que surgem para violentá-la, mãos e braços que às vezes lembrar a forma fálica de maneira obviamente proposital.
Os momentos de irrealidade tanto em O bebê de Rosemary como em Repulsa ao sexo são originados por questões de violência sexual, no primeiro cometido pelo próprio marido, que não é um escroto como personagem, mas justamente por isso ilustra a frase tantas vezes repetida e muitas vezes negada por homens e mulheres: todo homem é um estuprador em potencial. Ainda conta com a grande metáfora do bebê nascido do estupro ser o anti-cristo. Em Repulsa ao sexo, a questão é mais complexa, creio, porque há o elemento do cunhado abusador, que este sim é caricaturalmente escroto, mas há também um aprofundamento da psicologia da personagem, que se mostra constantemente apática, com delírios sexuais violentos, o que pode indicar um histórico de abuso sexual na família, também sugerido pela cena final que enquadra a fotografia de um momento familiar.
Esta relação tensa entre vida e obra encontra em Polanski um ponto incontornável de discussão. Seus grandes filmes à la nouvelle vague dos anos 60 conseguem comunicar o horror da violência sexual através de uma estética adequada para isso. Filmes que não fetichizam a violência, pelo contrário, a mostram em um estado visceral, muitas vezes difíceis de ver, mas colocando-se como grandes filmes do cinema.
Rodrigo Mendes
Abaixo, foto dos bastidores de Repulsa ao sexo, com o diretor Roman Polanski agaixado, de costas, Catherine Deneuve ao lado direito, e o operador de câmera ou diretor de fotografia do filme na filmadora.