Personagens e protagonistas

Certa vez fiz um curso sobre O poderoso chefão com o bom crítico de cinema Pablo Villaça. Dentre vários aspectos que esmiuçamos nas aulas, um elemento secundário, porém interessante me chamou a atenção: quem é o protagonista do filme? Eu obviamente pensava: Don Vito Corleone, interpretado magistralmente pelo Marlon Brando. No entanto, Villaça tinha outra visão.

Para ele, o protagonista era o Michael Corleone (Al Pacino), por uma série de razões. A primeira delas é que ele é o personagem cujo arco dramático é desenvolvido na narrativa. Ele começa como um militar que não se envolve com os problemas da família; não tem vergonha, mas busca se distanciar daquele mundo. No decurso do longa, ele passa a se envolver a ponto de ser o escolhido para chefiar a família, mostrando-se muito capaz para isso.

Outro elemento que o crítico apontava era o fato de, em uma cena capital, em que se fala em italiano, não há legendas para o telespectador, e Michael parece não entender muito o idioma. Como o virtual protagonista não compreende, nós também não temos acesso ao que é dito. Isto seria um indício de que Michael é o protagonista, e não o Don Vito.

Um arco dramático muito interessante e complexo acompanhamos em Walter White, o Heisenberg, protagonista da série Breaking Bad. Do químico fracassado e com problemas financeiros, lutando contra um câncer, a produtor de metanfetamina e traficante calculista. O arco é surpreendente. O personagem tem traços de humanidade e crueldade de forma ambivalente, de onde apenas permanece seu egocentrismo. O risco em que coloca toda a sua família – que era o pretexto para fazer o que fazia – é justificado pela vitória pessoal e pelo sentimento de vivacidade, exposto no último episódio da temporada. Com acessos de aparente loucura, ele age compulsivamente no limiar entre a vida e a morte, tanto sua quanto das pessoas ao seu redor.

Esta coluna já tratou de bons personagens no cinema. Aqui não se trata de cinema, mas de sua coirmã, a série. No entanto, o objeto vale a pena: um personagem interessante, complexo, carismático e amedrontador, muito bem interpretado por Bryan Cranston.

Rodrigo Mendes

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