“Pantera Negra” e “X Men”: inversão de papéis

Vendo esses dias um trecho do X Men: Primeira Classe, pensei num ponto interessante sobre o papel desempenhado pelos heróis e quais viram, no pressuposto maniqueísta de sempre do cinemão, os bons e os maus. A gente assiste desde pequenos a isso e não se dá conta, mas os super-heróis são sempre figuras reacionárias, na medida que a indústria cultural, aqui o cinema, os coloca como uma figura além do humano e como salvação mágica de um mundo degradado. Como no final sempre dá certo, nossa tensão diária é aliviada no filme enquanto a sociedade segue desigual, racista, violenta…

Então, a cena em especial que vi do X Men é aquela final quando, numa ilha, os mutantes estão prestes a serem atacados por centenas de mísseis dos exércitos norte-americano e russo. Magneto, através de seu poder, impede o caminho fatal das armas, que extinguiriam, enfim, ele, Xavier, e os outros. Ao impedir, inverte sua direção e os manda de volta para os exércitos em questão. Aqui entra o conflito: Xavier, que é o Martin Luther King pela sua pacificidade, tenta impedir que Magneto destrua aqueles que tentavam destruir Xavier e os mutantes. O resultado, que aqui não nos interessa tanto, é uma confusão na qual Xavier é baleado, e Magneto vira do mau. Magneto, que seguindo a metáfora é um Malcon X por suas ideais de ação direta e radicalização da luta, a partir de então, torna-se o vilão da história, por sua rebeldia e posicionamento intransigente, quando no fundo buscava a igualdade total entre mutantes e humanos. X Men trata bastante do real por trás daquela fantasia.

Pulando pra outro sucesso de bilheteria do cinemão (embora diferente e exuberante por seu design de produção e pelo elenco e direção quase totalmente negro), Pantera Negra segue a mesma linha. T’Challa, o primeiro Pantera Negra, é um rei, pra começo de conversa. Governa, segundo Killmonger, que é seu rival ideológico e ao trono, um reino hiper tecnológico enquanto seus irmãos negros morrem ou vivem na miséria no resto do mundo. Killmonger pode ser entendido como uma alusão a Malcon X ou a outro companheiro seu da época, sendo um ponto de tensão/contradição do filme o total apagamento dos Panteras Negras, militantes estadunidenses dos anos 60 que lutavam pelos direitos dos negros.[1] O embate, que é ideológico, é compartilhar ou não as tecnologias avançadas e as riquezas de Wakanda, reino do Pantera Negra, para seus irmãos ao redor do mundo. O vilão, Killmonger, que é o revolucionário, morre, e T’Challa, que é reformista, vence. A idéia de radicalização por igualdade, nesse caso racial, no do X Men entre mutantes e humanos, é relegada ao vilanismo, enquanto pautas conciliatórias vencem com os heróis bons.

São sempre essas as saídas no mundo real, no qual as lutas sociais são diárias e histórias, mas os resultados são sempre conciliatórios e as reivindicações, quando alcançadas, são pautadas por quem oprime. O princípio que une os filmes ao mundo real é a noção do quanto se vale lutar por uma causa e o desfecho é a criminalização daquelas/es que não aceitam mudanças aparentes quando se trata de opressões estruturais.

Rodrigo Mendes

[1] Essa idéia se encontra no texto de Zizek “Dois panteras negras”, disponível em: < https://blogdaboitempo.com.br/2018/02/27/zizek-dois-panteras-negras/>