Está reprisando na TV Globo a novela de imenso sucesso e repercussão O clone, de 2001, dirigido por Jayme Monjardim, realizador de famosas novelas como Roque Santeiro (1985), Partido alto (1984), A casa das sete mulheres (2003), além de filmes como Olga (2004) e O tempo e o vento (2013). O clone foi escrito pela também famosa roteirista Glória Perez. O objeto deste texto é a forma cinematográfica da telenovela, em especial alguns recursos usados pelo diretor que deixam a obra interessante, recursos que são raros de ver nas novelas de TV, ao menos nas atuais (pensando século 21), elementos esses geralmente circunscritos aos filmes.
O uso da montagem é interessante. A partir dela o diretor pode dar uma sensação de continuidade temática, mesmo mudando de assunto e núcleo de atores na novela. Por exemplo, temos uma cena na família do Lucas (Murilo Benício) e há uma discussão; depois a próxima cena é uma briga entre pessoas da clínica do Albieri (Juca de Oliveira). (Este exemplo foi hipotético, porque não assisto com afinco a telenovela.) Ainda na montagem: a forma como se muda de uma cena à outra é também importante, um corte seco é diferente do fade, aquele que mescla uma cena na outra, como que esfumaçando uma e dando passagem à seguinte. Aí também tem a mão do diretor, querendo indicar, dar um sentido complementar à cena.
Outra coisa interessante que notamos são movimentos de câmera, muitas vezes com planos relativamente longos (10 segundos para novela é demais, geralmente vemos cortes alucinados). Em alguns momentos há uma cena com muitas pessoas, mas a câmera se movimenta acompanhando um personagem que passa ao fundo, pois a cena seguirá com este falando, ou seja, o foco recairá nele.
A trilha sonora também é algo interessante. Em geral não dá pra cobrar muito disso, porque até no cinema, que dirá nas novelas que, pra mim, potencializam os aspectos medíocres e fetichezados/clichês. Não dá pra cobrar porque na maioria das vezes vemos a trilha inundar as cenas. O sentido delas vem da trilha sonora, não do contracenar dos atores, da direção, etc. Enfim, a trilha na novela é bem utilizada. Há uma trilha padrão, mas ela é modulada de acordo com a cena, complementando e não dando o sentido de maneira vazia pra cena. Um exemplo: uma cena tensa, a trilha sonora é distorcida, fica um solo de guitarra com notas estendidas, que soam como um arranhão numa panela, algo que desconforta o telespectador.
O melhor e último aspecto que quero mencionar é o uso da não ficção dentro da novela. Novela é ficção, não é a realidade nem uma falsidade, é uma representação fictícia da realidade, assim como outras obras de arte. Na história do cinema, só lá nos anos 60 que se começou a fazer cenas que “quebravam a quarta parede”, isto é, mostravam algum elemento em cena que indicava para o telespectador que aquilo que estava sendo visto era, de fato, uma ficção e não a realidade, como por exemplo quando o ator fala olhando para a câmera. Na novela, há partes de depoimentos reais de dependentes químicos que se intercalam com cenas de personagens que são viciados em drogas. Fica óbvia a relação entre uma e outra, e é interessante o uso do recurso não ficcional irrompendo na forma. Muitas vezes a voz do depoimento segue enquanto a imagem já é outra, do personagem, fazendo aí mais um movimento cinematográfico interessante.
É bom ver quando os aspectos da sétima arte são usados em outras formas relacionadas ao cinema, mas que tem diferença, como as telenovelas e séries.