Aos 15 anos, Marina Maria foi violentada por sete homens em uma festa; caso voltou à tona após divulgação de conversas entre envolvidos.
Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete | Esse é o número de contagem que me fez perder a mente | A essência que eu tinha e tudo que eu tinha guardado | Durante a noite tudo voltou, flashes claros me fizeram lembrar | Coloquei a mão na minha vagina e comecei a chorar
Com os versos acima, a poeta Marina Maria, de 22 anos, inicia um vídeo com um relato visceral do estupro coletivo que sofreu há oito anos, quando tinha apenas 15, durante uma festa em Londrina, no Paraná. A investigação do crime sofrido pela londrinense em 2013 segue em curso no Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente (Nucria). A delegada do órgão, Lívia Pini, garantiu, nesta quarta-feira (13), o envio do processo ao Ministério Público (MP) para possível oferecimento de denúncia.
As informações, imagens e a entrevista nesta postagem são de autoria de Cecília França e foram publicadas originalmente pela Rede Lume de Jornalistas Independentes.
“Vamos encaminhar hoje para a Promotoria analisar se já conseguem fazer a denúncia com os elementos que já levantamos”, disse à Lume. A delegada classifica o caso como “complexo”, com “necessidade de exame de DNA e vários suspeitos”. De acordo com ela, diversos fatores influenciam na lentidão da investigação.
“Falta de servidores, principalmente. Atualmente estamos acumulando a Delegacia do Adolescente e também integrando o plantão geral. Fora que existem alguns critérios de priorização de casos (investigado preso, múltiplas vítimas de um mesmo agressor, vítima em risco). Esses casos ‘passam na frente’”, explica.
O fato de o Nucria ainda não existir em Londrina em 2013, quando a queixa foi registrada, também pode ter contribuído. “A gente recebeu um passivo muito grande das outras delegacias. Demora até conseguir analisar tudo”, diz Lívia.
Desde o início da semana, cresce nas redes uma campanha pedindo justiça por Marina. Na noite do dia 13 de janeiro, uma projeção em um prédio na Avenida Juscelino Kubitschek expôs a hashtag #JustiçaPorPretaMar.
Mobilizações nas redes sociais não deixaram o caso ser esquecido
O caso voltou à tona nas redes sociais nos últimos dias, após o resgate de comentários agressivos e violentos que teriam partido de alguns dos estupradores e outras pessoas, inclusive mulheres. “Estupro mesmo sou ‘mó’ safado“; “Azar no amor? Sorte no estupro“; “Ninguém mandou ser gorda estourada”, foram algumas das frases criminosas expostas por diversos perfis nas redes sociais.
Uma forte mobilização cresceu nas redes pedindo justiça por Marina Mar (ou Preta Mar), como também é chamada. O “Slam Voz das Minas e LGBTQ+/PR” (campeonato de poesia falada no qual Marina compete), a Frente Feminista de Londrina e o coletivo Tendência Autônoma Feminista foram alguns dos que compartilharam as denúncias. Anielle Franco, irmã da vereadora Marielle Franco, também repostou o banner da campanha nesta terça.
“Somos as únicas que podem derrubar esse sistema machista”
“Eu nem sei mais o que dizer sobre isso. Só espero que todo mundo que fez isso comigo pague, que eles tenham entendimento que não se trata de cultura do cancelamento, eles estão diminuindo uma luta feminista ao cancelamento. Eu sou uma sobrevivente que está tentando ter voz e justiça por oito anos“, disse Marina à Lume.
O crime aconteceu na primeira festa em que Marina foi na adolescência. Como estava dopada, tem flashes das cenas envolvendo vários homens. A dor deixou marcas psicológicas e físicas.
“Desenvolvi crises de ansiedade, por conta das ridicularizações. Fiquei dois anos sem sair de casa, tinha vergonha de sair, de ser vista. Para você ter noção, minha mãe teve que voltar a andar comigo de ônibus, porque eu tinha medo. Além disso também tenho uma questão física, descobri uma dilaceração no meu útero que provavelmente foi em decorrência disso, e que pode virar um câncer. Eu nunca mais vou ter minha vida normal”, contou ela.
Marina é poeta. Em vídeos, recita e canta suas próprias letras. Ela conta que começou a escrever no final de 2013, quando descobriu o Slam. “Quem me deu força mesmo para fazer tudo que estou fazendo hoje foi o ‘Slam Voz das Minas e LGBTQ+/PR’. Estou há oito anos tentando dar voz a isso”.
O apoio público de mulheres (e alguns homens) tem sido uma injeção de ânimo na luta de Marina, que enxerga no sistema patriarcal a causa da banalização da violência contra as mulheres. Ela pede união contra esse sistema.
“As mulheres têm que entender que somos as únicas que podem derrubar esse sistema machista, misógino e racista. Porque se depender dos homens a gente nunca vai ter justiça, eles sempre vão ser omissos quando toca no privilégio deles”, opina. “Só quero justiça para mim, para minha história, para todas as mulheres que tenham história para contar. Que as pessoas não banalizem mais o estupro, que as pessoas falem sobre apologia ao estupro”, finaliza.
No Instagram, a Tendência Autônoma Feminista se posicionou e falou do papel da luta e da união entre as mulheres contra a violência que elas sofrem. Leia abaixo ou clicando aqui.
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