Texto e imagens por Ramiro Valdez
No dia 13 de janeiro de 2018, o governo Marchezan realizou uma ação de remoção dos moradores da antiga Aldeia, local de moradia comunitária situado no Parque Harmonia, em que conviviam várias pessoas e famílias em situação de rua. Utilizou para isto a desculpa de que a ação fazia parte das medidas tomadas para garantir a segurança pública face ao julgamento do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva que ocorreria dia 24 do mesmo mês no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, prédio que fica próximo ao parque.
Na ocasião, as pessoas que estavam estabelecidas ali foram removidas da área sem aviso prévio e sem nenhum respeito à sua integridade aos seus documentos e pertences pessoais, entre roupas, utensílios de cozinha e até brinquedos. O tratamento por parte dos agentes estatais durante a remoção se deu como é de praxe: com muita violência e nenhum diálogo. Muitas das pessoas que sofreram esta ação são militantes do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) e trabalham na produção e comercialização do Jornal Boca de Rua (https://www.facebook.com/jornalbocaderua/).
Sem lugar de moradia fixo desde então, tendo que procurar todos os dias por lugares protegidos da chuva e do frio para se estabelecerem, e preocupados com sua integridade física face às ameaças sofridas na rua, alguns moradores da antiga Aldeia se decidiram, de forma mais ou menos espontânea, por ocupar o terreno da atual Ocupação Aldeia Zumbi dos Palmares. O nome da ocupação evoca o antigo espaço de moradia coletiva do qual foram expulsos junto com a força simbólica do guerreiro e líder negro Zumbi de Palmares. A importância da ocupação como um espaço de convívio coletivo fortalece a luta na reivindicação de seus direitos, que deveriam ser garantidos pelo Estado brasileiro conforme nossa Constituição Federal, e ajuda a resistir, juntos, à violência física e psicológica que sofrem por parte de setores do Estado ou mesmo por milícias.
A ideia de organizar esta ocupação está ligada a uma luta antiga, ao desejo coletivo de reagir aos constantes ataques sofridos pela população em situação de rua em sua luta pelo direito à moradia, que está garantido pela nossa Constituição Federal de 1988 como um Direito Humano Fundamental, e que o Estado falha em garantir. O terreno da ocupação fica ao lado da Praça do Aeromóvel e próximo à Escola Porto Alegre (EPA). Oficialmente é propriedade da prefeitura, mas estava abandonado, sem cumprir nenhuma função social há 11 anos, enquanto cada vez mais cresce o número de pessoas, e mesmo famílias inteiras, que se encontram em situação de rua em Porto Alegre e em todo o país.
A ocupação, que em seu primeiro dia era composta por doze pessoas, já conta com, pelo menos, o dobro de moradores atualmente, e tem cada vez mais apoiadores, entre coletivos, ONGs e indivíduos que colaboram através de parcerias e doações. A rede de apoio à Ocupação Aldeia Zumbi dos Palmares só cresce.
O clima no local é muito acolhedor e familiar. Toda hora os moradores se chamam pelo apelido ou por “tio”, “prima”, “sobrinho”, “cunhado”, “irmã”, mesmo quando não são parentes de fato, para demonstrar afeto e companheirismo. A maioria dos moradores da ocupação se conhece há tempos, e muitos já eram vizinhos na antiga Aldeia. A palavra acolhimento é muito utilizada entre os moradores, e as relações se dão com base nos valores da confiança, do respeito e do apoio mútuo. Novos integrantes chegam com frequência.
Para organizar a gestão do espaço e das atividades, os moradores se reúnem em assembleias que ocorrem quase diariamente, onde são discutidos os assuntos importantes para o coletivo e são tomadas as decisões de forma democrática. Os moradores se revezam nas tarefas comunitárias, como limpeza do espaço e preparação dos alimentos.
Ao longo do dia, o entra-e-sai é grande, pois seguidamente tem alguém indo ou voltando do trabalho, da escola, ou de algum outro compromisso na rua. Quem fica contribui de alguma forma, seja organizando alguma coisa, indo buscar água ou recebendo apoiadores.
A ocupação promove diversos projetos culturais em parceria com seus apoiadores, como as aulas de capoeira angola ministradas semanalmente pela Escola de Capoeira Angola Raízes do Sul (https://www.facebook.com/capoeiraangolaraizesdosul/) e o 1º Cine Clube realizado em parceria com o Benedictas Fotocoletivo Feminista (https://www.facebook.com/Benedictasfotocoletivo/), que ocorreu dia 14 de abril. Além disso, outros projetos, voltados para a captação de recursos, são levados a cabo para gerar renda para os moradores, como a produção e venda do Jornal Boca de Rua, do qual muitos moradores fazem parte. Existe também a parceria com o Clube de Pães Amada Massa, projeto dedicado a colaborar na construção de autonomia, através de apoio e geração de renda para pessoas em vulnerabilidade (www.amadamassa.com.br/), em que um terço da renda captada é destinada para pessoas em situação de rua. Os moradores da Aldeia comercializam os pães na própria ocupação, na rua e no espaço do Coletivo Germina (https://www.facebook.com/ColetivoGermina/), que fica na rua Professor Duplan, 60, bairro Rio Branco.
Atualmente está tramitando uma ação de reintegração de posse do terreno da ocupação, movida pela prefeitura do município. Na tarde de terça-feira, dia 24, representantes da ocupação, junto com apoiadores, participaram de Audiência de Conciliação no Foro Central de Porto Alegre. O objetivo principal da audiência era expandir o diálogo entre o governo Marchezan e a Ocupação Aldeia Zumbi dos Palmares, para que negociassem e juntos encontrassem uma saída boa para todos. Mas a prefeitura não enviou representantes, o que atesta claramente que não lhes interessa dialogar nem conciliar nada.
Para quem quiser contribuir com doações, abaixo segue uma lista com alguns itens de que a ocupação necessita:
– Fraldas descartáveis
– Alimentos
– Roupas (de preferência para o frio)
– Roupas de cama (também de preferência para o frio)
– Produtos de higiene pessoal
– Água
Quando morar é um privilégio, ocupar é um direito!
Força para a Ocupação Aldeia Zumbi dos Palmares!