O humano e a máquina

Esta coluna, com o tempo, adquiriu uma forma cronística. Quer dizer, deixou de ter como gênero principal a crítica de cinema e passou a adotar um tom mais leve e com olhar atento ao cotidiano. Não que a pegada analítica tenha sido abandonada, mas foi transformada, às vezes se sobressai, às vezes fica sublimada. Digo isso porque hoje ia dar seguimento ao que foi apresentado na última quinzena, em que apontei temas que ia trabalhar. No entanto, a veia cronística de apego ao cotidiano me impele a outro assunto: o humano e a máquina no cinema.

Vocês devem ter acompanhado que milhares de pessoas influentes no mundo intelectual e de tecnologia assinaram uma carta para pedir uma pausa temporária no desenvolvimento de ferramentas de Inteligência Artificial, especialmente se referindo à plataforma ChatGPT. Eles temem que, no andar da carruagem, a tecnologia represente risco aos seres humanos no que tange ao compartilhamento de informações, por exemplo. Intrigante.

Automaticamente, a situação me remeteu ao cinema, cujos exemplos são muitos e representativos da visão de mundo sobre a Inteligência Artificial. O próprio AI – Inteligência Artificial seria um exemplo imediato (e comentamos certa feita nessa coluna sobre o aspecto da não aceitação da morte, representado no filme, estar interligado ao desenvolvimento tecnológico). Hoje na rádio um jornalista mencionou o filme Exterminador do futuro, que é um mau exemplo, porque caricato e inverossímil – isto não é um problema do filme, é um problema da comparação feita.

O melhor exemplo, creio, para nosso fins, é a obra-prima 2001: uma odisseia no espaço, filme de 1968 dirigido por Stanley Kubrick. Ali, em um dos vários momentos tensos da narrativa, filmado magistralmente pelo diretor, acompanhamos o computador Hal 9000, a inteligência artificial que acompanha os astronautas no espaço, tomando decisões humanas. Com uma luz vermelha forte, imóvel, com uma voz robótica, Hal 9000 decide tomar o controle da nave e impedir que determinada ação seja executada. Notemos que Hal detém o poder da informação, dos comandos, e portanto podemos relacioná-lo ao medo que mencionei no início do texto.

No decorrer do filme, uma coisa extremamente estranha acontece. Hal começa a demonstrar sentimentos humanos. O astronauta vai desligá-lo manualmente, para não se colocar em risco, e Hal implora para que o humano não o desligue. No sistema de representações do longa, neste momento é o computador quem demonstra mais ser um humano e não o próprio humano. Isso leva a vários questionamentos: nosso destino é virar máquina? Já não somos humanos com sentimentos e atitudes humanas?

O filme trata de um ciclo, do desenvolvimento da humanidade, desde a pré-história à viagem psicodélica do personagem e ao retorno de tudo. Seria isso um prenúncio de nosso tempo?

Rodrigo Mendes