O gênio e o patriarcado

Conheci o bom diretor chileno Pablo Larraín com o grande filme O clube (2015), título irônico que se referia a uma casa em que moravam padres afastados da igreja católica por pedofilia. A violência imanente, porém oculta, latejando, era uma das forças do filme. Creio que o diretor se tornou mundialmente famoso com No, sobre a ditadura de Pinochet, alguns anos antes, em 2012 – longa que foi indicado ao Oscar. Já em língua inglesa, destaco Jackie (2016), sobre a vida da esposa de Kennedy após seu assassinato, e principalmente o belo filme Spencer, de 2021, com atuação magistral da ex-Crepúsculo Kristen Stewart no papel de Lady Di.

Voltando no tempo, esta coluna versa sobre Sinfonia inacabada (2006), também encontrado sob o título de Fuga, o primeiro filme do diretor. Trata-se de um filme violento, com uma filmagem naturalista, muita câmera na mão, ruídos ambientes e locações reais, sem uso de estúdio – para os mais chegados, essa descrição deve ter remetido ao Dogma 95, movimento de cinema dinamarquês cujos expoentes são Lars Von Trier e Thomas Vinterberg. O protagonista é um jovem maestro, filho de um importante ministro de estado, que expressa na música um trauma do passado, por isso nunca completa a sinfonia que compôs, curiosamente chamada de Sinfonia macabra.

No Romantismo, movimento estético e político que vigorou mais ou menos desde o final do século 18 a meados do 19, desde a Europa ao mundo ocidental, tinha-se o entendimento de que o artista era aquele que expressava sua subjetividade em sua arte, de modo que fosse quase impossível dissociá-las. Daí vem a ideia de gênio, uma expressão individual concebida como que por uma divindade, um dom, dado a poucos, que terão a missão de expressá-lo em formas artísticas, tingindo-as com seus sentimentos mais íntimos. Eliseo Montalbán, o maestro, é exatamente assim. Intempestivo, violento, criativo, gênio da música erudita, compôs uma sinfonia que carregava todos esses sentimentos de forma arrebatadora.

Após uma apresentação em que há uma morte, ele enlouquece, e passamos a outra esfera do filme, mais psicológica mas com tons de humor. Adiante descobriremos sangue e abuso sexual no passado da família tradicional Montalbán, que gerou o trauma e a impossibilidade de conclusão de uma obra de arte que estava intimamente ligada a subjetividade de seu criador.

Violência de gênero e criação musical em um país formado pelo patriarcado engendraram este bom filme de Pablo Larraín, que certamente indica luzes para o que viria a ser sua filmografia a partir de então.

Rodrigo Mendes

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