6 de julho de 2017, Bruno Lima Rocha
Como venho afirmando nas últimas análises de conjuntura, a velocidade dos fatos e o ritmo de relaxamento de prisões e encarceramento de operadores na atual fase da Lava Jato não nos permitem uma avaliação de maior fôlego. No primeiro texto após a denúncia feita pelo procurador geral Rodrigo Janot tendo ao presidente Michel Temer como alvo eu comentei o absurdo das reclamações atuais contra o poder discricionário da Força Tarefa. Sempre critiquei tal poder e digo que observo o emprego de Lawfare – em escala internacional – tendo o país (o Estado brasileiro) como alvo. Hoje, abunda um festival de hipocrisia institucional. Quem aplaudia condena e quem condenou se cala. Neste breve texto, observamos outro dilema: a denúncia da PGR esbarrando no compadrio com base na canela do Executivo, residindo no Jaburu.
Compadrio, conveniências e fisiologismo na forma da lei
Na terça dia 4 de julho, o presidente Michel Temer recebeu 22 parlamentares no Palácio do Planalto; dentre estes, são dezesseis deputados federais, sendo que seis são membros da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Nesta importante comissão da câmara baixa da república será analisada a denúncia do procurador geral da República Rodrigo Janot, no exercício do cargo até 17 de setembro. Os prazos correm por todos os lados.
O recesso parlamentar da Câmara inicia no dia 18 de julho, e existe a possibilidade, segundo o presidente da casa, deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ) do mesmo ser suspenso para votar a denúncia em plenário. Na CCJ, são ao menos dez sessões e independente do voto do relator, a denúncia vai ao plenário com votação nominal. Ou seja, mesmo que o relatório seja favorável ao residente no Jaburu, poderá haver relatório paralelo apresentado pela oposição. Votação nominal implica em ir ao microfone e se posicionar. Logo, as inclinações da base parlamentar que elegera Eduardo Cunha, aplicou o golpe com apelido de impeachment naquele fatídico domingo grotesco de 17 de abril de 2016 e após cassou o próprio Cunha, podem variar conforme o grau de pressão externa.
É por isso que estamos em uma situação escancarada de troca de favores e posições políticas. O presidencialismo de coalizão sempre foi atado por alianças de conveniência e a subordinação parcial das vontades do Executivo aos arranjos de oligarquias estaduais, regionais ou grupos de pressão inconfessáveis. A diferença é que estamos diante de uma ausência total de pudor e retidão no cargo. O compadrio fisiológico e patrimonialista vem com mesóclise, mas se dá diante das câmaras e redes sociais muito ativas. À medida que escasseiam os recursos federais já tolhidos pela Desvinculação das Receitas da União (DRU, batendo 30% de contingenciamento no orçamento federal), pela PEC 55 (a do fim do mundo e óbito do orçamento vinculado do Estado Social de Direito) e a gastança sem fim para remunerar a renda fixa e os dealers da dívida pública da União, aumenta o poder de barganha do Executivo.
A lógica é simples: menos recursos circulantes, diminui o acesso ao orçamento e emendas, aumenta a capacidade de “negociação” através de barganha garantida pela caneta do Planalto, no caso, do residente do Jaburu. Assim, a maioria fisiológica das duas casas, especificamente o chamado “baixo clero” eleitor de Cunha, se vê diante da oferta de duas conveniências. Uma passa pela agressiva cobertura da emissora líder, apontando Temer como responsável e pedindo sua cabeça. Outra conveniência se dá através das colocações em postos e cargos, no acionar “clássico” da parábola de Roberto Cardoso Alves (o Robertão do PMDB paulista de Quércia, o mesmo grupo político de Temer), no franciscanismo às avessas: “é dando que se recebe”.
A encruzilhada do relator
Sergio Zveiter (PDMB-RJ, deputado federal e advogado com família recheada de bacharéis) como relator, vai estar diante de um desafio. Ou avança na tese das ilações e na teoria do domínio do fato, condenando Temer no relatório; ou, se atém às provas materiais contidas na denúncia, e assim na letra da interpretação do relator, Temer se livra.
Se for cumprido o mesmo rito do golpe com apelido de impeachment, Temer não escapa. Pois a razoabilidade do pedido de impedimento da presidenta Dilma era ridícula, incluindo o parecer do Tribunal de Contas da União (TCU) – órgão consultivo e notório cabide de emprego para políticos aposentados – que dera contra Dilma e neste ano de 2017 aprovou as mesmas contas!
Ao mesmo tempo, as relações privadas – pessoais e de convivência – no padrão brasileiro de compadrio atuam em contra de Zveiter. Segundo o próprio, mudara de partido duas vezes, sendo eleito por três legendas distintas (PDT, PSD e agora PMDB), e por arranjos políticos locais. Pelo amiguismo, deve ser mais difícil a condenação na relatoria; como operador jurídico e ex-presidente da OAB/RJ, Temer tem algum risco.
Uma posição tática da matriz libertária da esquerda social
O único consenso das alas mais à direita que orquestraram o golpe contra a ex-esquerda é a redução de direitos e regressão de leis sociais – como as famigeradas “reformas” trabalhista e da Previdência. Logo, se este é o consenso, o dissenso está na manutenção do presidente no cargo. Assim, com todo cuidado para não fazer coro com a Lava Jato e a cruzada udenista e liberal de seus membros, e tampouco reforçando a defesa da aliança de classes junto ao governo da ex-esquerda deposta, é muito interessante o afastamento de Temer. Não há garantia alguma de que com a saída do vice eleito e reeleito junto a Dilma, os processos regressivos interrompam, mas ao menos o movimento popular vai ter mais fôlego. Assim, quanto mais o residente no Jaburu “sangrar”, melhor, pois mais assustada ficará a “base aliada” – leal ao seu próprio interesse – e representada recentemente pelo ex-deputado federal do PDMB do Rio de Janeiro, o hoje preso, Eduardo Cunha. Tempo é fôlego,
Bruno Lima Rocha é professor de ciência política e de relações internacionais (www.estrategiaeanalise.com.br / estrategiaeanaliseblog.com / blimarocha@gmail.com para E-mail e Facebook)