Aqui transcrevemos a manifestação de estudantes residentes da moradia estudantil da UNESP de Araraquara, que se posicionam diante da postura elitista da Direção de uma das unidades da universidade no município. Não é novidade que as direções e a REItorias das estaduais criminalizam a luta estudantil como um todo, mas a nota torna evidente que a pobreza também é criminalizada.
“Em meio a uma inédita e destrutiva pandemia, com as primeiras notícias recebidas de estudantes da UNESP Araraquara afligidos pela COVID-19 dentro da Moradia Estudantil, em meio aos primeiros movimentos da comunidade da Moradia para com cuidados e auxílios aos seus colegas que estão no espaço, o Sr. Diretor da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, profº Claudio Paiva, reaparece publicamente, após longo período sem se dirigir aos estudantes, para lançar acusações contra os moradores presentes na Moradia Estudantil e ameaçar de expulsão um contingente de estudantes, a quem ele denomina “moradores ilegais”. Estas declarações já seriam graves se tivessem sido ditas num comunicado pessoal do diretor, mas foram concedidas em uma entrevista para uma matéria profundamente criminalizadora vinculada no portal RCIA – Revista do Comércio, Indústria e Agronegócio -, de Araraquara.
Desde a interrupção das atividades da UNESP há 3 meses, a direção das FCL – junto das demais direções de Araraquara – foi acionada por diversas vezes pela comunidade estudantil para que a mesma tomasse ações e assumisse compromissos em prol dos estudantes, dentro das diversas problemáticas que apareceram para a comunidade da UNESP: a impossibilidade do acesso ao “Ensino Remoto” para todos os estudantes, a situação dos alunos que permaneceram na moradia sem a garantia de uma provisão alimentar por parte da universidade, os atrasos que aconteceram na concessão das bolsas de auxílio-permanência e auxílio-emergencial, dentre outras.
Fosse por meio de notas, emails ou comunicados das organizações estudantis atuantes no campus, o diretor desta unidade foi chamado por diversas vezes a se reunir junto aos estudantes para debater sobre os procedimentos que a instituição deveria tomar frente a todos estes cenários adversos. Em nenhuma das ocasiões este chamado aberto dos alunos foi atendido – quando muito, outros integrantes da direção organizavam “reuniões” simuladas onde o espaço para a manifestação dos estudantes era controlado e somente a direção era ouvida, mas a figura do diretor da FCL mantinha-se ausente.
Aparecendo agora, após todo este período, para conceder entrevista para um portal conservador, o diretor da FCL direciona o foco da sua abordagem ao “problema” dos alunos que permaneceram na moradia e foram infectados, e elenca como sua prioridade após o fim deste isolamento e da pandemia, não a assistência aos alunos, mas a expulsão de estudantes presentes na Moradia Estudantil, que ele chama pejorativamente de “ilegais”.
É preciso esclarecer, antes de tudo, o que provoca a situação desta dita “ilegalidade” dentro do espaço da Moradia Estudantil. O processo seletivo definido pela instituição possui critérios de renda mínima extremamente limitados, onde pela diferença de valores ínfimos entre a renda familiar apresentada pelo estudante que pleiteia a vaga e aquela exigida pelo edital do processo, o aluno já é desclassificado do mesmo. O problema com os critérios absurdos e confusos de concessão destes auxílios não ocorre somente no processo de concorrência pela vaga da moradia, mas também nos auxílios socioeconômicos, onde muitos estudantes contemplados com a moradia não são contemplados com este outro. O que resulta em vários estudantes desassistidos de algum destes auxílios, ou dos dois simultaneamente, e vários colocados, portanto, em situação de “irregularidade” – ou como a direção da UNESP e a mídia comercial preferem tratar, “ilegalidade”.
Na declaração que o diretor Claudio Paiva deu à RCIA, faltou ele fornecer esta explicação para analisar parte significante das situações “irregulares” presentes na Moradia. Talvez para atender ao impulso sensacionalista e criminalizador que define o portal que o entrevistava, o sr. Claudio Paiva resolveu se ater somente às medidas meritocráticas que justificam a suspensão de vagas na Moradia, ao dizer que estudantes são cortados do programa porque terminam sendo reprovados por faltas, ou pegando dependência em matérias. O diretor, na sua posição de gestor e responsável pela garantia da permanência dos estudantes naquele espaço, não comenta – e habitualmente não busca refletir – que a razão para tantas faltas que levam a estas reprovações se dá por conta das duplas jornadas de trabalho e estudo a qual a maior parte dos estudantes universitários estão submetidos nos dias de hoje, especialmente aqueles que dependem dos valores insuficiente que são fornecidos pelos programas de auxílio-estudantil.
Os valores de R$120 ou máximo R$400 que são fornecidos pelos órgãos da universidade não conseguiriam manter nenhum trabalhador plenamente sem que o mesmo tivesse que se lançar em outras jornadas para poder complementar sua renda. Percebe-se então a situação dos estudantes que precisam prover este sustento para conseguir cumprir com a sua formação acadêmica e sua jornada de estudos, mas que por conta da sobrecarga que esta jornada ocasiona – ainda mais em empregos cada vez mais informais e precarizados -, terminam comprometendo justamente estes mesmos estudos. Então, alunos que por conta destes percalços obtiverem uma reprovação em alguma disciplina, estão impedidos de participar do processo seletivo e se regularizarem na moradia. Não importa que os estudantes passem por dificuldades que nem podemos mesurar para se manter na universidade, o que importa para a instituição – e para a mídia empresarial que pauta ela – é produtividade e mecanicidade. E a criminalização dos estudantes.
Convenientemente, a direção da FCL se utiliza dessas justificativas de “ilegalidade” e da retórica de criminalização para jogar nas costas dos estudantes a culpa de seus problemas estruturais, e para negar aquela que é uma das demandas mais antigas dos moradeiros: a ampliação de vagas, blocos e bolsas para a moradia estudantil. Este discurso culpabilizador da UNESP, da mídia burguesa e mesmo da secretaria municipal de saúde de Araraquara (que diz falsamente que são os estudantes que se recusam a colaborar com a vigilância para a realização das testagens, e que há por parte dos alunos um propositivo descuidado, quando na verdade estão todos se protegendo e mobilizando dentro do espaço, ouvindo todas as recomendações e recados que foram dados sobre prevenção de contágio, limpeza e higiene; além da falsa alegação de que a moradia está superlotada no momento), não condiz com a realidade de constantes descasos da instituição com a permanência estudantil, com a moradia estudantil e com os estudantes que agora se encontram em enorme vulnerabilidade e risco neste período de epidemia generalizada.
Não há nenhum estudante da Moradia que não necessite morar na Moradia para conseguir concluir seus estudos, assim como não há nenhum moradeiro que não seja estudante com vínculo com a UNESP, independentemente de ter sido contemplado com auxílio ou não (no máximo, quem participa do processo e é assistido, é “morador”; e quem, por algum motivo, não o fez – ou fez e não conseguiu o auxílio -, pode ser considerado “hóspede”. Mas todos são legais perante o vínculo com a instituição, e tem todo o direito de estar no espaço). O que existe, em realidade, é um processo seletivo excludente, uma instituição tendenciosa e uma direção negligente, onde a única coisa ilegal é a constante e histórica perseguição dos estudantes pobres desta universidade praticada por seus gestores, que ao invés de atuar conjuntamente com a comunidade acadêmica para a resolução dos problemas, se abstém das suas obrigações de provisão e de garantia de segurança, e ainda se aproveita das informações disponibilizadas pelos estudantes pras testagens para veicular ameaças de expulsão aos moradores. A Moradia não deve ser perseguida e culpabilizada pelos problemas fomentados e administrados pela própria UNESP!”