No Bananistão dos Parapoliciais_2ª parte – a macabra fábula do esquema político-criminal-policial no Arroio de Fevereiro

05 de julho de 2020 – Bruno Lima Rocha com ilustração de Rafael Costa

* Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes ou pessoas terá sido mera coincidência.

Na primeira parte desta trama macabra e “ficcional”, fizemos um panorama dos momentos anteriores à consolidação das forças parapoliciais. O século XXI torna complexo o modelo de Estado paralelo ou Estado complementar onde o conceito muda. Podemos marcar três fases no núcleo mais dinâmico da economia política do crime. As fases seriam: o jogo do bicho como operador absoluto; as redes de quadrilhas cujo negócio principal é o narcotráfico, também chamadas de “facções” e que os conglomerados de mídia insistem em chamar de “crime organizado”; por fim, o século XXI apresenta a “novidade” dos parapoliciais, a “evolução” da polícia mineira que existia na Baixada Fluminense e em algumas poucas localidades na zona oeste do Arroio, e se amplia ao ponto de dominar mais de uma centena de comunidades. Vejamos o marco temporal.

A periodização da economia política do crime no Arroio de Fevereiro

Para a Região Metropolitana do Arroio, o jogo do bicho operava a loteria ilegal sendo a contravenção com requintes e capacidade de operar como “multiplicador bancário” do lado B da “lei”. Cada “banca” (parecida com a banca da Florença dos Médici) tinha – tem – sua praça, seu território e havia (há) uma banca conjunta, onde existe a possibilidade de um banqueiro cobrir o outro, incluindo o custo transacional posterior. Uma cobrança possível é o custo do dinheiro, devolvendo com juros ou margem de lucros de bancas; no limite da cobrança, o território pode ser tomado, incorporado. A “bicheirada” também controlava – controla – outros negócios suspeitos, como máquinas de caça níqueis e até casas de apostas não autorizadas. Uma das virtudes públicas dos banqueiros era – é – a presença em importantes instituições sociais, especificamente nas agremiações de escolas de samba, na tradição do apadrinhamento. A banca do bicho recuou, mas não chegou a perder sua capacidade de existir e complementar outras cadeias de valor da economia do crime.

A partir do final da década de ’70, dentro das instalações “correcionais” da Secretaria do Sistema Prisional Fevereirense (SSPF) do estado do Arroio de Fevereiro, as redes de quadrilhas se organizaram com a formação e a negação do “coletivo”. A Facção Tomate deu seu grito do Ipiranga se libertando da direção da Penitenciária da Ilhota Gigante e, simultaneamente, confrontando com a Facção Crocodilo, a hegemônica nas galerias e “aliada” do sistema. Na década seguinte, as ações mais duras, de roubos a banco, joalheria e fugas espetaculares foram sendo substituídas pelo varejo do tráfico, o acesso a rotas de “matutos” – nos países produtores que fazem fronteira com o Bananistão – e o permanente controle das galerias do SSPF. A “guerra do Arroio” seria a disputa entre as facções, Facção Tomate (FT), Facção Crocodilo (FC) e o racha da primeira que fecha com quem pode, a Compadre dos Compadres (CDC); e também o problema de quem fecha o que e com quem (infelizmente as alianças são volúveis e os “sangue bom” não são nada legais uns com os outros). Na FMEAF uma importante parcela da tropa e das unidades faturou muito no arrego pingado semanal, como que tributando sobre a movimentação do varejo de drogas ou então cobrando uma “licença de funcionamento”. No limite, uma parcela paralela da estrutura formal da Força Militarizada Fevereirense “alugava” serviços ou tributava rotas e redes inteiras, mas não se tornava dona do negócio.

A partir daí a periodização histórica da economia política do crime no estado do Arroio se encontra no tempo presente. A Parcela Apodrecida vira uma das fontes das “milícias”, nas bandas de parapoliciais, do paramilitarismo policialesco, e o conceito de território passa a ser plenamente aplicado. Não era mais o morro como fortim de defesa e aglutinador de formas de vida e sobrevivência; já não passava por amplas regiões da cidade e do subúrbio, da região metropolitana fevereirense com os “padrinhos banqueiros” do bicho. Agora o dono era o frente e os negócios locais – em especial os informais -, a população (como porteira fechada vendendo os colégios eleitorais) e o investimento imobiliário em zonas irregulares, com ênfase na grilagem e verticalização das comunidades dominadas. Se a bicheirada e os antigos grupos de extermínio da Baixada Fevereirense chegaram a ter prefeitos e deputados (subnacionais e confederais), os paramilitares operam desde o começo com a representação política: conselheiros municipais, deputados na ALEAF e, de forma indireta, vínculos muito próximos ao Planalto Real, o Poder Executivo máximo do Bananistão.

A expansão da estrutura de poder dos Parapoliciais

É no mínimo curioso fazer algumas correlações. No mundo real, e não no Bananistão, ficou na moda judiciária em um momento a “teoria do domínio do fato”; antes porém, o emprego de pesquisas sociológicas através do cruzamento de dados e variáveis no programa SPSS, em suas várias versões. Portanto, vamos colocar algumas correlações no texto, algo já assumido como dado, tanto no país tropical como na República Deformativa bananisteira.

Em termos de Projeção territorial, em 2004, havia somente seis comunidades sob controle de milícias. Em 2007, já eram 93 comunidades; sendo que em 2014, 148 comunidades. Ou seja, houve um avanço absurdo em dez anos, cresceu mais de 100%. Mas, durante a transição do governo do Ex-Sindicalista para o da Economista Vanuza, a promoção da Guerra do Arroio, com transmissão ao vivo pela Rede Bobo se deu porque o helicóptero do Obispo Fariseu pegou um bonde transitando de uma ponta para outra do Complexo do Austríaco. Antes porém, a Infantaria de Tamandaré (IT) foi convocada para romper as barricadas na Cruz da Vila. Estava feito o ambiente para as operações de Ordenamento Legal Garantido (OLG), com a ex-esquerda fazendo graça para a Rede Bobo e depois fingindo não enxergar o esquema dos “puliça do Playboy” fazendo a festa no paiol, cofres, estoques e demais recursos no Complexo do Austríaco. Com os OLG e a ação estadual da Presença Permanente da Força Militarizada majoritariamente estrangulando os canais de arrecadação da Facção Tomate, a Parcela Apodrecida e os Parapoliciais, cade vez mais “juntos e misturados”, entraram em metástase e fizeram a “festa”.

No campo da politica profissional a coisa foi adiante. Trata=se de um exercício lógico correlacionar o patrimônio do clã dos Fascistas Arrivistas (FA) com o exponencial crescimento das milícias. Igualmente há um aumento substancial na votação dentro do estado do Arroio de Fevereiro. Os dados são gritantes, e nos levam a algumas ilações. Não há como provar cabalmente que os membros da FA são parapoliciais, mas o fato do próprio Matador Mariano da Obra, ter sido homenageado pelo então legislador sub-nacional “Gelatina” na ALEAF, assim como o Coiso papai, já indica algo.

É certo que o núcleo familiar específico dos FA não é o único nem o pioneiro nessas perigosas correlações. Outros os antecederam, todos sem exceção com parentes sendo – tendo sido – servidores na área da segurança estadual. Até político da ex-esquerda, o veterano inspetor das Investigações Judiciais Corjino Chabu, tem vários processos nas costas e puxou cadeia por ser acusado de liderar grupos de extermínio ou facções de parapoliciais, popular e equivocadamente chamadas de “milícias”.

Outro núcleo poderoso em Big Field com domínio expandido ao Cruzeiro Sagrado (antiga zona rural da capital fevereirense) controla a Religa da Injustiça e atende por diminutivos: Vesperino, Herodinho e Branquinho. A lógica de “trabalho de base”, além da violência, é o assistencialismo através de Centros Sociais espalhados pela Zona Oeste e Subúrbios. O apadrinhamento de festividades locais também é importante, como nas turmas de Bate Bola; embora boa parte dessas festas está sendo tolhidas pela presença de Empresas de Exploração da Fé Alheia, vulgarmente denominadas de “neopentecostais”. Sabe-se que tais famílias ou grupos de interesse operam muito localmente, o que implica um diferencial competitivo para um clã que tenha trânsito em vários públicos, e possa existir, sobreviver, sem um território determinado embora tenha relações com a barra pesada da Porteirinha, Cai Tudo e Iaragá, alta hierarquia da Repartição da Delinquência (RD).

Uma hipótese para o desenvolvimento paralelo da FA talvez seja mesmo por ser o mais afastado do olho do furacão, e possa se relacionar sem a sujeira curricular evidente. No próximo episódio nos dedicamos exclusivamente ao possível modelo de negócios do  “Gelatina” e seus amigos, além das relações de apoio do Inominável Coisificado com o pior do pior do entulho autoritário, tanto no estado do Arroio de Fevereiro como nas demais forças militarizadas estaduais e adjacências.

Bruno Lima Rocha é editor dos canais do Estratégia & Análise, a análise política para a esquerda mais à esquerda.

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