No dia que completa um ano do brutal assassinato de João Alberto (Beto), por seguranças do Carrefour do Passo D’ Areia em Porto Alegre (RS), o viaduto ao lado da loja amanhece com cartazes de memória e indignação. Nos cartazes, além do rosto de Beto, as frases “Beto presente” e “Não perdoamos Nem esquecemos”, demonstram o sentimento de injustiça que ainda segue o caso.
Por Repórter Popular – RS
Na noite da véspera de feriado do 20 de novembro de 2020, Dia da Consciência Negra, João Alberto, também conhecido como Beto Freitas, homem negro de 40 anos, foi brutalmente assassinado dentro do hipermercado Carrefour, em Porto Alegre. Após discutir com os seguranças do mercado, dois homens brancos o agrediram com diversos golpes na cabeça e o asfixiaram, ocasionando sua morte.
A cena, que foi filmada e amplamente difundida nas redes, mostra além dos dois seguranças, Magno Braz Borges e Giovane Gaspar da Silva (na época integrante da Brigada Militar), mais Kleiton Silva Santos e Rafael Rezende funcionários que auxiliaram na imobilização da vítima. Até o momento, somente os dois seguranças seguem presos aguardando julgamento, enquanto que os outros dois funcionários seguem aguardando o andamento do processo em liberdade. Outras duas pessoas também foram acusadas e seguem em liberdade, a fiscal da loja, Adriana Alves Dutra, que acompanhou toda a ação sem fazer nada e Paulo Francisco da Silva, que impediu a viúva de Beto de ajudá-lo.
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Ao longo do último ano, a multinacional francesa Carrefour vem tentando abafar o caso e melhorar sua imagem publicamente. Por isso, ainda em 2020, anunciou a criação de Comitê de Diversidade e formação de um fundo para ações de combate a desigualdade racial. Porém, tudo parece ter virado marketing para limpar a imagem da empresa, que seguem sem admitir sua culpa no racismo que levou a morte de Beto.
Em 11 de julho deste ano, foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), entre o Carrefour, a Educafro e Centro Santo Dias, ONGs que haviam protocolado ainda em 23 de novembro de 2020 uma Ação Civil Pública contra a empresa por dano moral e coletivo.
Porém, advogados constituídos pelas entidades SOEUafrobrasileira e Coletivo de Advogados pela Democracia (COADE) afirmam que o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) excluía a responsabilidade do Carrefour pela morte, transformando indenização em doação e abrindo caminho para que a empresa tenha acesso a mecanismos de renúncia fiscal. Isso significa que nenhum centavo sairia do bolso da multinacional, e sim dos contribuintes.
Além disso, o Termo de Ajustamento de Conduta, não respeitaria a Lei da Ação Civil Pública (7.347/85) da qual diz que o valor de 115 milhões não poderia ser voltado apenas ao Educafro e ao Centro Santo Dias. Isso quer dizer que, em tese, esse valor milionário deveria ser destinado ao Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir), ou a conselhos do mesmo tipo em nível regional, como prevê o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/10), que alterou a Lei da Ação Civil Pública. Isso significa que esse valor deveria estar em mãos de entidades públicas, que seriam responsáveis por aplicar essa quantia às diversas organizações que tratam sobre igualdade racial e combate ao racismo. Portanto, uma vez que este valor está na posse de entidades privadas, a ação do Termo de Ajustamento de Conduta fica limitada apenas a esses dois grupos. Mas, para além disso, tira a responsabilidade do grupo Carrefour arcar com o crime de racismo. Em outras palavras, essas instituições estão sendo coniventes com a postura racista da multinacional diante do caso.
Por último, no último dia 04 de novembro, a empresa de segurança Vector Assessoria Empresarial fechou acordo de R$ 1,79 milhão com a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul. Entre muitas promessas desse acordo, está de que esse dinheiro será investido em bolsas de estudo e alimentação para pessoas negras, sendo que 35% serão destinados a bolsas de meio turno para crianças de até 5 anos em creches da capital, 50% à permanência de pessoas negras em cursos de graduação e 15% à aquisição de cestas básicas. Também no acordo assinado com a Vector, fica excluído maiores responsabilidades pela morte de Beto.
Enquanto isso, a família segue lutando pela memória e justiça de Beto, como divulgado pela entrevista concedida ao jornal AfroPress, em que afirmam terem se “associado com entusiasmo à iniciativa, por meio dos advogados que atuaram na defesa”, e dizem esperar que “a iniciativa do Coletivo de Advogados evolua para o projeto de criação da Fundação Beto Freitas para a Cidadania, Superação do Racismo e Defesa dos Direitos Humanos, entidade sem fins lucrativos que se proponha a perpetuar sua memória”. E finalizam apontando que: “Só assim poderemos fazer com que nunca mais se repita em nosso país, a violência e o crime bárbaro de que Beto foi vítima, que abalaram a nossa família e o Brasil”.