Em meio aos metros quadrados mais caros da cidade, rodeado de mansões de luxo e guaritas de segurança privada, uma parte do Campus da Unisinos em Porto Alegre abriga um ponto curioso, que contrasta em muito com os seus vizinhos endinheirados.
Em uma porta em que se lê “Área Antifascista” e dizeres que homenageiam a militante socialista Marielle Franco e outras personalidades históricas da luta do povo, a Sala de Estudantes Carolina Maria de Jesus ocupa uma pequena porção do estacionamento principal da UNISINOS, no bairro Três Figueiras, em Porto Alegre.
De propriedade do Centro Acadêmico da Psicologia da Unisinos, o CAEP, a Sala é um espaço coletivo conquistado pela luta dos alunos e tem as portas sempre abertas para diferentes eventos, encontros e discussões do Movimento Estudantil, grupos de estudos e organização das lutas na Universidade e fora dela.
Na última Quarta (22), os estudantes organizam mais uma roda de conversa que se propunha a ser, segundo eles, um espaço para “(re)aprender, (re)pensar e construir laços em um pacto por uma ética de cuidado”. Chamada de Narrativas e vivências de cuidado da vida no cárcere e na rua”, o encontro foi construído pelo CAEP e teve como convidado principal o jornalista Anderson, estudante de Políticas Públicas na UFRGS, padeiro e co-fundador do Clube de Pães Amada massa, que durante mais de duas horas se dispôs a falar de rua, de cuidado, de uso de drogas e de redução de danos, além de contar experiências de sua vida como egresso do sistema prisional de sua vivência como, outrora, pessoa em situação de rua.
“A redução de danos, como é um senso comum entre as pessoas, acredita-se que tem relação exclusivamente com o uso e o consumo problemático ou não com ‘drogas’, mas antes devemos perguntar: o que é droga?”, diz Anderson, que é também fundador do Jornal Boca de Rua, periódico escrito, editado e vendido por pessoas em situação de rua em Porto Alegre.
A roda de conversa serviu também como momento de arrecadação de fundos, a partir de contribuição voluntária de quem esteve ouvindo, para o viabilização da participação de Anderson em um Congresso Internacional sobre as Políticas de Drogas.
Imagem: Reprodução
“Para poder sobreviver na rua e no cárcere é preciso ter uma prática aguçada e o olhar bem atento em redução de danos; saber praticar muito bem uma escuta para conseguir entender o contexto em que se está inserido”, explica. “[O convite é que] venham trocar essa ideia desde um outro olhar da rua e do cárcere – não de quem ouviu, leu ou assistiu, mais sim de quem viveu e pode afirmar que a redução de danos é uma prática de cuidado”, explicou Anderson;
Deixando claro que não se tratava de uma aula (“porque não sou professor de ninguém, viemos trocar saberes”), o estudante-jornalista-padeiro-contador de histórias discorreu por longos minutos sobre o sistema educacional brasileiro, o cárcere como método de exclusão e o lugar reservado à população negra no país.
Entre fotos, vídeos e memórias, Anderson apresentou uma visão com muita propriedade sobre dois dos maiores espaços de exclusão que a que sociedade capitalista “empurra” o povo pobre: a rua e a cadeia.
Nem o avançar da noite nem o horário de início da aula no turno noturno do curso de Psicologia fez com que a sala ficasse vazia. Repleto de tensão, atenção, escuta e fala, o ambiente do encontro mesclava alegrias e horrores, reagindo à descontração e à seriedade com o que o convidado guiava a conversa.
Os símbolos da Amada Massa e do Movimento Nacional de Luta da População de Rua se misturavam aos materiais do Coletivo Acadêmico e com os dizeres que enfeitam as paredes da Sala Carolina Maria de Jesus de Estudantes, compondo a estética do encontro que se desenrolava ali – um encontro político, mas também de afetos.
Eventos como esse, defendem os organizadores, fortalecem uma postura de “resistências”, abrindo as portas da Academia e fazendo dos espaços universitários pólos de unidade e luta frente ao atual momento que vive o país. Trata-se de trabalho de base concretamente sendo realizado.
Segundo a página do CAEP no Facebook, a sala dos estudantes é de livre acesso, pode ser frequentada e reservada por qualquer estudante ou pessoa de fora da Universidade e possui uma agenda própria de eventos regulares, como grupo de estudos feministas e as reuniões do centro acadêmico.