A reportagem do blog de Jornalismo Ambiental percorreu o morro mais alto de Porto Alegre para registrar o descaso com o saneamento básico. Três pessoas morreram recentemente na região com leishmaniose.
Por João Pedro Tavares
Jornalismo Ambiental – Campus Fapa / Noite
Reportagem publicada primeiramente no blog Jornalismo Ambiental da Uniritter
Os moradores do Morro Santana sofrem com problemas graves com relação ao saneamento básico fornecido pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE). Dentre as dificuldades enfrentadas na região, os habitantes se encontram perdidos em meio à falta de água, esgoto a céu aberto, áreas que servem como local para despejo de resíduo sólido e muitas doenças.
Construído geologicamente por formações graníticas, o Morro Santana apresenta a área com maior representatividade da flora da capital gaúcha. Localizado entre quatro das principais avenidas de Porto Alegre – Protásio Alves, Manoel Elias, Antônio de Carvalho e Bento Gonçalves -, ele é um dos últimos remanescentes naturais da cidade, considerado área de transição entre os biomas Pampa e Mata Atlântica. Com cerca de 13 mil hectares, o morro abriga cerca de 100 espécies de animais, sendo 14 mamíferos nativos da região.
Nas partes mais elevadas do Morro Santana, o mais alto de Porto Alegre, com 311 metros, a água potável não é encanada. Os moradores recebem-na através de um caminhão-pipa, que de acordo com Marlon Santos, morador da Vila Pedreira, devia abastecer as caixas d’águas coletivas a cada mês.
“É triste, cansamos de ficar sem água, a prefeitura diz que recebemos água uma vez por mês, mas posso te dizer que já fiquei mais de vinte dias sem água, porque são poucas caixas para abastecer o povo”, relata Marlon.
Rodrigo Rodrigues, comunicador da rádio comunitária A Voz do Morro, localizada na Vila Tijuca, lembra especialmente de uma situação, ocorrida há cerca de três anos: “Participamos juntos com os moradores de um protesto na avenida Protásio Alves, por conta
de uma semana inteira entre Natal e Ano Novo, em que os moradores ficaram sem água”.
Esgoto a céu aberto
Próximo à Vila Pedreira, encontra-se a Vila Laranjeiras, onde a água potável chega aos moradores através dos canos, porém nesta região, os problemas são a falta de tratamento de esgoto e as doenças de veiculação hídrica. No local, o esgoto in natura divide espaço com as pessoas no meio das ruas, na frente das casas e até dentro das moradias.
Em uma das casas, que estava com a porta aberta quando a reportagem do blog de Jornalismo Ambiental da UniRitter esteve no local, duas crianças com cerca de 10 anos de idade brincavam sentadas no chão da sala. Era visível que para entrar na casa elas tinham que passar por uma água que escorria das partes mais altas do morro e passava por baixo da residência, bem em frente a porta. Perguntados sobre o que era aquilo, a resposta não surpreendeu. Era esgoto! Ao tentar registrar a cena, o pai pediu que seus filhos não fossem fotografados.
O morador indignado disse que está cansado de fotos, pois sempre vão tirar fotos do bairro e o problema continua. Ao lado da casa, o esgoto descia bem no meio da rua, e por consequência disso, o mau cheiro e o risco de doenças estavam no ar.
Júlio Cruz, morador da Laranjeiras, disse enfrentar diariamente as consequências da precarização do saneamento básico da região. “Que o esgoto a céu aberto transmite doença eu não preciso falar, mas com o surto de leishmaniose no Morro Santana, eu acho que meu cachorro foi vítima, mas nunca recebi confirmação. A única coisa que fizeram foi instalar um chip de monitoramento na Belinha, a minha cadela que cuida do terreno da horta comunitária que criamos”, relatou.
De acordo com Júlio, a primeira vítima de Leishmaniose foi uma vizinha do terreno da horta, o que deixou o morador ainda mais preocupado com os riscos.
Doenças e mortes
Desde o final do ano passado, a Leishmaniose Visceral Humana, doença citada por Júlio, fez as suas três primeiras vítimas em Porto Alegre, sendo as três na região do Morro Santana. Em maio passado, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) recebeu a confirmação da morte da terceira vítima. Foi uma senhora de 81 anos.
Esta doença é transmitida pelo mosquito-palha, que se prolifera em meio ao lixo em áreas sem saneamento e desmatadas, como o Morro Santana. Na região, os órgãos públicos responsáveis estão adotando diferentes medidas de combate ao mosquito, como a emissão de alerta epidemiológico para a rede de serviços de saúde.
Luciana Soares, presidente da Associação de Moradores da Vila Tijuca, disse que quando entra em contato com o DMAE e com o Sistema Municipal de Saúde (SMS) sempre ouve a mesma coisa. “Eles dizem que a doença está sendo transmitida por causa da mata nativa”. O que para ela não faz sentido, já que sempre se teve mata nativa no local e nunca se teve leishmaniose.
Já no lado oeste do Morro Santana, está a Vila Altos da Colina, ocupação formada em área pertencente à Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). As casas dos moradores são próximas às antenas de alta tensão. Por consequência da irregularidade do local, no início do ano houve reintegração de posse e duas casas foram demolidas.
Para Jonas Felipe da Silva, morador do Altos da Colina, o descaso com o local se dá porque as autoridades consideram a ocupação irregular. Ele mora há mais de dez anos no local, e até hoje não recebeu usucapião. Jonas afirma que além da força policial, os problemas enfrentados com saneamento básico são utilizados como método de repressão em localidades carentes.
Jonas disse que houve diversos diálogos com a unidade de saúde Milta Rodrigues, que é responsável por atender a região, pois frequentemente moradores da comunidade adoecem por causa das doenças transmitidas por falta de limpeza no local.
Durante entrevista feita em uma assembleia pública, organizada pelos moradores do Morro Santana, no terminal de ônibus entre as avenidas Antônio de Carvalho e João Pessoa, Jonas discursou para outros moradores e chorou quando falou da vida que leva, já que o local não tem infraestrutura pública. E relatou ter visto dois vizinhos morrerem por dengue.
“Aqui na comunidade do Altos da Colina, me sinto envergonhado por não ter estrutura, e muito menos saneamento. A nossa comunidade, diferente das outras do morro que são próximas ao asfalto, recebe pouca água, não tem tratamento nenhum de esgoto e nem coleta de lixo. Se isso não é repressão eu não sei o que é”, discursou Jonas.