21 de outubro de 2017, Bruno Lima Rocha
Uma polêmica contemporânea nas correntes à esquerda do governo que fora destituído em um golpe parlamentar com apelido de impeachment é o avanço da direita herdeira da linha dura, ao menos no discurso. Parece um pesadelo de distopia, mas é o reflexo de dois fatores consequentes. O primeiro é o entulho autoritário, herdeiro e desenvolvido durante e após a ditadura, cuja presença é permanente na base da pirâmide social brasileira, assegurando os índices absurdos de violência, com recordes de execução extrajudicial. O fator subsequente é a inserção de instituições sociais que reforçam este sistema de crenças, incluindo as empresas de exploração da fé (“igrejas” neopentecostais), o senso comum contra os direitos humanos e a sedimentação da imagem de um parlamentar reconhecido por defender posições antes inconfessáveis. Sim, a direita mais asquerosa saiu do armário e tenta fazer tese e programa de bandeiras indignas e seguramente antes proferidas nas masmorras e porões de tortura.
Seguidas pesquisas vêm assustando a militância de esquerda no Brasil na perspectiva de ver o deputado Jair Bolsonaro (PSC/RJ) com possibilidades de chegar ao segundo turno das eleições presidenciais em 2018. Esta chance é real e cabe a tarefa urgente de tanto combater o neofascismo em todas as suas versões como também interpretar as razões deste fenômeno. A primeira constatação é da ênfase do discurso. Só em um país que mata mais de 53 mil pessoas por ano e naturaliza esta carnificina é que é possível observar personagens como Bolsonaro se apresentarem como possíveis candidatos à Presidência da oitava economia do mundo. O país, como sina de dominação interna e subalternidade, segue sendo um gigante econômico de joelhos ideologicamente para a Casa Grande e as heranças do escravagismo. E esta, em sua versão pós-moderna, deslumbrada com a reprodução neocolonial.
O ex-capitão de artilharia do Exército (de onde quase foi expulso, ver encurtador.com.br/dgmH5) aproveita-se do fato da Abertura ter deixado feridas abertas dentro da memória dos operadores da guerra interna. Galvaniza esta chaga a declaração de voto em abril de 2016, quando o neofascista homenageia o próprio coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, uma espécie de “geni” dos porões após a distensão “lenta, gradual e segura” de Geisel e Golbery. Assim, como se estivesse em campanha contra os “gregórios”, atua no inconsciente anterior ao atentado do Rio Centro, na véspera de 1º de maio de 1981. Mas, para quem tiver alguma paciência no embate com as demonstrações de recalque e frenesi reacionário, vale uma ressalva. Nem o candidato ou sua base de apoio entendem coisa alguma a respeito dos maiores desafios do país em termos de defesa nacional, logo, em projeção de conflito contra potências agressoras, por consequência, em termos de anti-imperialismo. Admitindo a postura conservadora das instituições castrenses, incluindo o sistema de oficialidade prussiana que aumenta a naturalização da desigualdade e o sistema de mando e privilégio, ainda assim, a elite profissional das forças armadas está anos luz em lucidez à frente da demência destes viúvos da intervenção e seus bajuladores de plantão.
Bolsonaro não resiste a um debate acerca da própria estrutura do regime ditatorial, indo além da guerra interna. Por exemplo, fala em governo Geisel (15/03/1974 a 15/03/1979), mas oculta toda a política externa independente e o 2º Plano Nacional de Desenvolvimento (2º PND). Sobre a atualidade, sabe menos ainda, ou finge desconhecer. A falta absoluta de leitura por parte destes apoiadores de Bolsonaro os faz ignorar as obras fundamentais das Forças Armadas atuais, como as edições do Livro Branco (ver http://www.defesa.gov.br/arquivos/2012/mes07/lbdn.pdf), a Estratégia Nacional de Defesa (ver http://www.defesa.gov.br/arquivos/2012/mes07/end.pdf) e dentro desta a Estratégia de Resistência da Amazônia Brasileira (ver http://www.defesa.gov.br/arquivos/ensino_e_pesquisa/defesa_academia/cadn/artigos/xiv_cadn/a_estrategia_da_resistncia_na_amazonia_brasileira.pdf). Menos ainda o bufão sinaliza algo concreto em relação à Base de Alcântara (ver https://goo.gl/6B2Vc2) e sua possível e provável sabotagem – ou negligência – e as consequências do entreguismo atual (ver https://goo.gl/AR3aTa). Se por “esperteza tática” ou mera postura neocolonial, nada fala a respeito da Amazônia Azul, reservas de Pré-Sal e a ameaça concreta do escudo de “defesa” anglo-saxão sobre o Atlântico Sul. Tampouco se posiciona contra o cerco ao Brasil com a presença de tropas terrestres e bases permanentes dos EUA ao redor de nosso território e a cobiça permanente sobre a Amazônia Legal e a região Pan-Amazônica.
Os tempos são difíceis mesmo. A extrema direita, ou a direita saudosista da ditadura e defensora daquele regime caiu de nível. Não é possível comparar a campanha e o programa do Doutor Enéas Carneiro – cardiologista consagrado – com a pífia atuação política de Bolsonaro. Já no exercício do cargo legislativo, o ex-capitão de artilharia atua como bufão catapultado pelas redes sociais enquanto Enéas teve papel apagado, operando mais como puxador de votos do que como parlamentar. Tampouco quis organizar um partido político de extrema direita nacionalista, ficou no “folclore” de suas campanhas. Bolsonaro de sua parte já migrou de partido, mas não é um grande organizador e sim um agitador social reacionário, levantando as piores teses do momento, conseguindo piorar o que já era ruim em sua versão caricata de Trump dos neocolonizados. Para garantir a simpatia por dentro do alto comando, sabendo que até o momento três generais de quatro estrelas dentro de um universo de 14 pares fizeram declarações anti-democráticas, o deputado federal elogiou publicamente ao mais conhecido destes. Quando de visita a Belém do Pará, Bolsonaro exaltou as posições de livre interpretação do Artigo 142 da Constituição Federal, o general Antônio Hamilton Mourão (ver https://goo.gl/vYSyUx)
A tentativa do camaleônico pré-candidato tampouco deu resultado nos Estados Unidos. Em um dos testes mais importantes, Bolsonaro rejeitado como palestrante na prestigiada George Washington University (GWU, ver https://goo.gl/RKKazc) e se contentou com reuniões em restaurantes, mexendo com a estima dos portadores do “sonho americano” e batendo continência para a bandeira dos EUA e gritando junto da claque “USA, USA!” (ver https://goo.gl/QCpNHZ). A demência ajudou a ser irradiada através do revivido clima de guerra fria e choque de civilizações, atiçado pelas projeções cibernéticas do astrólogo Olavo de Carvalho (ver https://goo.gl/QrDFPK). Assim mobilizam o inconsciente da geração que só faz política através de redes sociais e é propagadora do racismo de classe, chegando ao requinte do etnocentrismo (ver https://goo.gl/c5jWXS).
Sinceramente não sei o que é mais perigoso. Se uma direita braba e lúcida ou a demência coletiva propalada através das redes sócias, tanto em sua versão de tipo linha chilena (como os neoliberais da “nova direita”) ou os “neoconservadores” citados acima. De todas as formas, os tempos exigem atenção e o emprego de todos os recursos possíveis nas formas de resistência contra a perda dos direitos e a ascensão de posturas neofascistas.
Bruno Lima Rocha é professor de ciência política e de relações internacionais
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