Já libertamos a América, libertemos as mulheres a amarem
O dia 29 de Agosto marcou o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. Convidamos a Raisa Rocha, gremista, sócia, jornalista e lésbica, a dar a visão dela sobre uma data que infelizmente ainda é ignorada por muitos.
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Pausa na euforia desta loucura chamada Grêmio (a noite da terça-feira 28/8 – quando o Grêmio eliminou o argentino Estudiantes de La Plata nos pênaltis após marcar um gol nos acréscimos do segundo tempo – ainda ecoa na memória) para honrar o convite dos compas da Grêmio Antifa e falar sobre o dia da VISIBILIDADE LÉSBICA. Tema tabu, ainda mais no universo do futebol, que só pode ser tratado de uma maneira: salientando as INvisibilidades diárias que inundam as existências das mulheres que amam mulheres.
Para tal, escolhi relatar brevemente um infeliz acontecimento que, por ironia do destino, ocorreu
num dia de jogo do nosso tricolor.
Numa noite de Copa, dessas que tanto amamos, na nossa Arena, estava eu com minha inseparável amiga de vida e de arquibancada. Juntas desde o Olímpico Monumental, colecionamos escalações, eliminações, vitórias memoráveis, traves, imortalidades, promessas, glórias e taças. Dessas duplinhas que só podem ser melhores amigas ou… namoradas. E era esta a dúvida de um certo carinha que nos rondava sempre que podia. Este fulano, na verdade, achava mesmo que nosso caso era namoro. O relevante aqui é que a convicção sobre a nossa relação não o impediu de tentar beijar (naquele estilo clássico, à força) uma de nós. Sim, na cara da outra. Sim, na cara da suposta companheira. Sim, na minha frente, ele tentou beijar a minha mulher!
Não era, mas e se fosse? A atitude do fulano não é erro de percurso nem culpa da cerveja. A atitude do fulano materializa a invisibilidade plena que trouxe no início desta postagem. E ele o fez porque é ainda mais duro o peso do machismo e do patriarcado nas mulheres que ousam não estarem a serviço do prazer dos homens.
A não ser que você conheça alguma de perto, a mulher lésbica possível é aquela do filminho que se assiste de porta fechada ou aquela do tipo “machorra”, nenhuma outra mais. Invisibilizada historicamente nos mitos culturais, na literatura e nas artes, sem referências entre figuras públicas. Invisível inclusive na comunidade LGBTQ+, sem eventos ou caminhadas oficiais, sem apelo midiático para suas pautas e manifestações. Invisível no sistema de saúde, público ou privado, que não sabe como cuidá-la porque ela “não transa”. Invisível e vulnerável porque ignorados os inúmeros e crescentes assassinatos por lesbofobia. Invisíveis porque pecaminosas, traidoras porque se negam à maternidade (mentira!), a mais sagaz escravidão do patriarcado. Invisíveis mesmo que fora do armário, fadadas a andarmos e vivermos com as eternas “amigas”.
E o Grêmio haver com isso? Bem, na contramão do nosso país, em retrocessos e perdendo seus pedaços pelo caminho, o Grêmio se reconstrói e vive momento alto de sua gloriosa história. Até tentam nos abalar, diminuir nossa caminhada, criam problemas onde não há… Mas pela nossa alma mística, pelo nosso amor inabalável, pelos pés dos nossos guris e sangue dos nossos guerreiros imortais vestimos o continente sul-americano inteiro de respeito em azul, preto e branco.
A nós, gremistas antifascistas, provemos que aprendemos com as derrotas e com as dores e que sabemos a força da nossa união. Que sabemos que, não fossem os ídolos negros, a dedicação e as vozes das mulheres nas arquibancadas, não teríamos reerguido o nosso Grêmio. Já libertamos a América, libertemos as mulheres a amarem.