A língua é cultura. Faz parte desta, é elemento constitutivo da identidade das pessoas. É também através da língua que o ser humano se torna sujeito através da enunciação, quando marca, através e no discurso, sua subjetividade como falante e partícipe da sociedade, segundo o linguista Émile Benveniste. Portanto, negar ao indivíduo a sua língua é uma das maiores violências que se pode fazer. Vimos, ao longo da história mundial, diversos exemplos disso, como os negros africanos escravizados, os indígenas autóctones subjugados pelos colonizadores, os diversos povos em guerras e invasões. E vimos também acontecer com o povo que não se reconhece necessariamente pelo país que vive, pela cultura hegemônica de sua sociedade, nem pela cor da pele, mas por um elemento físico constitutivo, uma diferença frente aos demais. Estamos falando dos surdos, tema do filme E seu nome é Jonas (1979), dirigido por Richard Michaels. Este texto versa sobre o longa e sua relação com o artigo “Surdos”, de Bianca Pontin e Emiliana Rosa, disponível em Apostila de Libras (UFRGS, 2014).
O filme é dos anos 1970, época de ouro do cinema estadunidense, quando este ressurge numa onda de alta criatividade fílmica. A película coincide historicamente, no Brasil, com a introdução do método de aprendizagem Comunicação Total e com a criação da Comissão de Luta pelos Direitos dos Surdos, conforme apontam as autoras. E seu nome é Jonas, com seu título sugestivo (o título original, em inglês, ainda apresenta reticencias em seu início, apontando para uma conclusão após um raciocínio, bem o que a sua narrativa apresenta) conta a história de um menino, Jonas, que é ignorantemente diagnosticado como doente mental, e passa a desenvolver-se em meio ao estranhamento da família e vizinhos até que finalmente ingressa em uma escola para surdos, adquirindo sua língua e podendo expressar-se, constituindo-se como sujeito na sua sociedade.
Logo no início do longa, uma grande cena expressa sua posição social frente ao mundo dos ouvintes: uma câmera subjetiva – que assume o ponto da vista do personagem – enxerga os convidados de sua volta à casa, todos falando agitados e ele apenas escuta o silêncio. A dificuldade da família em se comunicar com o filho se manifesta desde o início: não entendem que ele não gosta ou não quer comer tal comida; seu irmãozinho não consegue entender a relação de Jonas com o Homem-Aranha; o pai, envergonhado de ser pai de um “retardado” (sic), briga com os vizinhos não pelo seu filho, mas por ele, por ser um egocêntrico preconceituoso que demonstra não ter nenhuma fibra moral ao abandonar sua família.
Jonas inicia um tratamento cujo método é o Oralismo, método arcaico e conservador, que imperou durante muito tempo na sociedade mundial, método que visa bloquear a diferença dos surdos e pretende ensinar o aluno a ler os lábios das pessoas e aprender a vocalizar. A mãe de Jonas diz coisas muito interessantes a respeito do seu filho e de todos os surdos, ao menos os de nascença: esse instituto na verdade quer fingir que Jonas não é surdo – uma mulher que trabalha lá diz que não quer “perder os alunos para a surdez”. Diz a todo o momento que sinais são totalmente proibidos. Nega-se o direito dos surdos de aprenderem sua língua. Jonas, quando vê uma carrocinha de cachorro-quente, intui que deve se comunicar através de sinais, e tenta imitar o objeto para a mãe, inutilmente.
Quando Jenny conhece um casal de pais que fala a língua de sinais, visita um evento da comunidade surda, e é quando se despe de seus preconceitos e aprende a conviver com eles. Neste momento, o filme nos apresenta uma gama de pessoas, numa diversidade absurda: vemos pessoas negras, brancas, ruivas, gordas, magras, jovens, de meia idade, velhas. Exatamente como o mundo é, plural. A especificidade, a diferença, é que são surdas. O artigo de Pontin e Rosa comenta isso, que dentro da comunidade surda, obviamente, há diferenças entre eles, e portanto subjetividades diferentes, por exemplo quanto à sua orientação sexual, de gênero, de classe social, etc.
A alegria de Jonas ao aprender os sinais e poder se expressar é emocionante. Quando finalmente ingressa numa escola específica para surdos e se reconhece com seus iguais, vemos o início de sua entrada na comunidade surda, constituindo-se enquanto sujeito dotado de uma identidade que é compartilhada. O longa mostra o que fazer e o que não fazer com crianças surdas, com os sujeitos surdos, sejam oralizados ou não. Talvez a chave para compreender o filme, os surdos, e na verdade o mundo como um todo, seja a alteridade, fator que os surdos, de acordo com o artigo, praticam desde cedo, pois exercitam o olhar e necessitam do outro para se comunicar. Neste quesito, nós ouvintes temos muito o que aprender.