Outro dia, eu e minha companheira de vida, a Evelin, decidimos assistir a um filme à noite. É um costume, um gosto que temos, e que às vezes a vida corrida nos faz assistir menos do que gostaríamos. Pois então, olhando as películas disponíveis no computador, na aba de “Europeus”, batemos o olho em A garota da fábrica de fósforos, 1990, do diretor finlandês Aki Kaurismäki. Um longa de pouco mais e uma hora de duração, o que é bom, pois já era tarde da noite – “bom” é adjetivo que depende de contexto, porque o filme tem um ritmo tão lento que poderia ser considerado ruim para quem está com sono.
Me veio na lembrança o porquê desse filme estar ali, baixado por torrent, com legenda sincronizada .srt, tudo certo – o filme era .avi, uma qualidade meia-boca, mas era o que tinha. Lembrei onde vi essa indicação e prontamente procurei e baixei o filme: no grupo Cinetoscópio, um grupo de Facebook cujo intuito era debate e difusão de conteúdo sobre a sétima arte. Um grupo que me encontrei, numa época em que estava mergulhando fundo no cinema, a partir de 2012, o cinetoscópio era tudo o que eu queria: um grupo com muita gente interessante, disposta a debater, a criticar, a conversar, a trocar idéias e informações sobre o vasto mundo do cinema.
Eis que certa vez alguém propôs – o grupo tinha uns 10 administradores, salvo engano, então possivelmente fora algum deles – uma enquete, acho, para indicar “ótimos filmes que você talvez não tenha visto”, uma coisa assim. Talvez não fosse enquete, mas enfim, o mais importante é que quando havia coisas assim eu e muita gente nos deparávamos com uma enormidade de títulos, um mais interessante que o outro, de diversos países, que colegas do grupo com muito conhecimento no assunto indicavam – isto era maravilhoso. Nesta feita, o criador do Cinetoscópio, uma das figuras com maior respeito dentro do grande fórum, o Leandro ou Leonardo Antunes, indicou A garota da fábrica de fósforos.
Era um baita grupo de debate, com figuras marcantes como Elton de Almeida, o irônico machadiano, ou um outro, também cheio de ironia, que usava como avatar o personagem de Machete (2010); havia os dois homens que mais viram filme no mundo, a saber, Nilmar Souza (o sobrenome não tenho certeza) e o Murilo – eles eram aquele tipo de pessoa que sobre um diretor nada a ver eles não só conheciam, como indicavam três, quatro, cinco filmes do realizador. A única mulher que lembro – e cujo nome eu eloquentemente não recordo agora – era uma apaixonada por Bergman, Chico Buarque e Billi Wider. Bergman, aliás, era muito popular entre os integrantes, e lá conheci também o incrível diretor Andrei Tarkovski, que se inspira no seu mestre Bergman; filmes maravilhosos como o japonês A face do outro e o sul-coreano Boneca inflável, entre muitas outras obras.
O espaço era irônico e crítico muitas vezes, e não tinham vez os tarantinetes, os fãs de Christopher Nolan, apaixonados por Donnie Darko e Amelie Poulain. Os debates eram muitas vezes aflorados, e uma figura de experiência, conhecimento e autoridade, mas também de mediação, era o Leandro Correia, que infelizmente faleceu por esses dias.
Bem, esse era, resumidamente, o Cinetoscópio, que hoje ainda existe, mas que não acompanho mais e, pelo que sei, não rola mais debates, indicações, etc. Isso que narrei era lá por volta de 2014. Foi daí que veio a indicação para o belo filme, que assistimos, Eve e eu, e que pela extensão do tempo terei que deixar para a próxima coluna.
PS: A imagem destacada desse texto é a atual imagem de capa do grupo Cinetoscópio, que hoje conta com 28,2 mil membros: se trata da atriz Carrie Fisher, de Star Wars, quando do seu falecimento, imagino, em dezembro de 2016.
Rodrigo Mendes