Quando a pauta é terceirização, são muitos os exemplos de fraudes quase sempre ligadas a grupos políticos e seus esquemas de corrupção. Em boa parte da mídia, o caso que tem recebido maior visibilidade é o da “Operação Camilo”, deflagrada por uma força-tarefa da Polícia Federal e que levou inclusive à prisão do prefeito de Rio Pardo e de diversos envolvidos. Várias medidas judiciais já foram cumpridas envolvendo vários municípios do Rio Grande do Sul e de outros estados, como Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro. Estima-se que o prejuízo aos cofres públicos seja em torno de 15 milhões, oriundos de recursos destinados à administração do Hospital Regional do Vale do Rio Pardo. Os crimes apurados até essa fase da Operação são de fraude à licitação, peculato, corrupção passiva, ocultação de bens, crime de responsabilidade e desobediência.
Há pouco mais de um mês, através da reportagem “Terceirização: fraude em meio à pandemia”, o Repórter Popular denunciou a triste situação das trabalhadoras de Cachoeirinha, na região metropolitana, contratadas pela empresa Lazari – Serviços de Gestão de Mão de Obra Ltda e que seguem sem receber seus salários. A terceirizada também presta serviços em outros municípios da região, como Sapucaia do Sul. Segundo o relato de duas trabalhadoras que prestam o serviço de limpeza em diferentes secretarias desse município e preferem não ter os seus nomes divulgados por temerem retaliação, ambas seguem sem receber os salários e as multas rescisórias da contratante. Uma delas trabalhava em uma escola e foi demitida, a outra segue trabalhando para a secretaria de saúde, mas agora contratada por outra empresa, a MG Terceirizações, que também, em suas palavras, “só enrola”. No caso da trabalhadora que foi demitida, o atraso da empresa em entregar os papéis do seguro-desemprego fez com que ela não o recebesse até o momento, o que as coloca em grandes dificuldades financeiras, já que não recebem nem das empresas, nem do Estado.
O Repórter Popular, como imprensa nas lutas e notícias populares, procurou uma trabalhadora (identificada aqui como “CG”) de Cachoeirinha, funcionária da empresa, para dar voz a quem está vivendo na pele mais esse abuso trabalhista que tem o dedo dos empresários e, no mínimo, a negligência do governo municipal. Um não paga o salário e demais direitos trabalhistas, e o outro faz de conta que não é responsável pela política de terceirização do serviço público que estoura sempre na vida das terceirizadas e de suas famílias. Uma breve conversa pra informar melhor a nossos leitores a tormenta que atravessa a vida de centenas de trabalhadoras.
Repop: Para começar, poderia nos falar há quanto tempo trabalha na Lazari, qual é o trabalho que faz e como tua família depende da renda do teu serviço?
CG: Trabalho na Lazzari há 2 anos e 5 meses. Sou cozinheira de uma escola infantil. Cozinho, lavo as louças e faço a limpeza da cozinha. O meu salário é a metade da renda da minha casa, pois dependo desse dinheiro para pagar os remédios da minha filha que é doente e ajudo nas contas da casa.
Repop: Quando pegou emprego na Lazari e desde quando começaram os atrasos de salário e problemas trabalhistas com a empresa?
CG: Trabalho na Lazari desde o primeiro mês de contrato com a empresa e, desde o primeiro mês, é atraso de salários, vale alimentação e vale-transporte. Teve mês que fiquei todos os dias ligando e pedindo para empresa meu vale-transporte. Tive que ir e vir a pé do meu serviço, pois não tinha como arcar com as passagens. Se disser para empresa que está indo a pé eles não repõem o vale-transporte, pois acham que se a gente consegue ir e vir a pé é porque não é tão longe assim. Fazer uma hora de caminhada para chegar em casa depois de um dia cansativo de trabalho não é nada.
Repop: Qual o papel que tem feito a prefeitura diante das responsabilidades que têm com o modelo de terceirização do município?
CG: A prefeitura de Cachoeirinha simplesmente lava as mãos perante a situação da gente. São umas pessoas que não têm um pingo de consideração com quem trabalha, com quem bota o alimento pronto na mesa de milhares de crianças do nosso município. Simplesmente dizem que não podem fazer nada, pois estão na justiça, e que só recebem a gente para conversar em solidariedade a nosso trabalho, pois “não vão nos deixar sem dá uma atenção”. Piada né?! Pois quem contratou a empresa não foi a prefeitura? Então eles têm total responsabilidade com os funcionários que se encontram em uma situação absurda.
Repop: Como estão vivendo esses dias difíceis da pandemia, tendo que lutar todo fim de mês para cobrar os salários atrasados?
CG: Nesses meses de pandemia está sendo bem pior, pois de lado nenhum tá vindo um ganho, um meio de arcar com nossas contas e responsabilidades do mês. Pois não tenho salário e nem buscar uma faxina ou outro meio de ter um ganho não dá. Pois ninguém está pegando pessoas para trabalhar. Ficar se expondo na frente da prefeitura todos os meses é muito humilhante, pois lá estamos expostas não só ao sol e à chuva, mas a esse vírus que tá assustando e, o pior, lutando por um salário que é nosso por direito.
Repop: Para finalizar essa conversa com o Repop, queria pedir que nos confirme quando venceu o prazo de pagamento desse mês e o que as trabalhadoras estão fazendo para buscar uma solução.
CG: O prazo de pagamento desse mês venceu dia 05/06, quinto dia útil, e até agora nada. Fomos na prefeitura terça-feira (09) pedir um apoio pra solucionar o nosso problema e nada. Simplesmente dizem que não têm como nos ajudar, pois está na justiça e a prefeitura só tem responsabilidade com as terceirizadas perante o juiz. Ontem (10) também estivemos em uma reunião com Juliano Paz (chefe do gabinete do prefeito) em que foi nos falado a mesma coisa, que só tem responsabilidade por nós perante o juiz e que não podem estar cobrando a empresa, pois a prefeitura não possui mais nenhum vínculo com a empresa.
Devido ao término do vínculo da empresa Lazari com a prefeitura, citado na entrevista pela funcionária, a gestão já providenciou outra empresa terceirizada para substituí-la, contratação realizada através de “dispensa de licitação”, modalidade garantida pelo decreto de calamidade pública em vigor no município devido à pandemia. A nova empresa é a SLP Serviços de Limpeza e Portaria – ME, com sede no próprio município de Cachoeirinha, e também tem atrasado o salário e o vale-transporte das trabalhadoras que tiveram seus contratos migrados já no mês de maio. Além do atraso, os valores estabelecidos nos novos contratos são extremamente baixos, não ultrapassando R$ 600,00 ao mês, para uma carga horária de 110 horas mensais.
A mesma empresa, SLP Serviços de Limpeza e Portaria – ME, está contratada pela prefeitura de Porto Alegre e possui funcionários na área de alimentação do Hospital Pronto Socorro, Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul e SAMU. Neste período crítico, já é o terceiro mês de atraso de salário. As funcionárias alegam ter que deixar os filhos com vizinhas e pagar pelo serviço. Sem o salário não tem com quem deixar as crianças, além das contas ficarem atrasadas. Na capital, os(as) trabalhadores(as) terceirizados(as) já estão se mobilizando para paralisarem as suas atividades enquanto não receberem os seus vencimentos.