“La dolce vita”: Fellini sobre a sociedade moderna

O título [A doce vida], assim como a trilha sonora, é ironicamente alegre, vivo, com graça. No decorrer da narrativa, percebemos que essa ironia representa muito bem a vida do personagem vivido por Marcello Mastroianni, gigante em cena, interpretando um jornalista em meio ao furor da aristocracia romana do século 20, e que se vê em crise existencial tamanho o vazio que aquela vida de aparências lhe causa. A sociedade do espetáculo, das propagandas, das mercadorias aflige Marcello, e com aquela cena final, a irresolução torna o filme ainda mais cruel em sua crítica.

La Dolce Vita é uma superprodução. De constantes planos abertos a multidões de figurantes em praticamente todas as cenas. Fellini usa esse contingente grande de pessoas junto a sua mise-en-scène (movimentação dos atores em cena) e ilustra muito bem o tamanho da falta de interesse de Marcello (Mastroianni) em sua vida. Na cena em que estão em um castelo medieval, o andar pelos labirintos representa metaforicamente a própria busca de Marcello por algo a mais, algo que faça valer sua desprezível vida – crise de burguês, que fique claro. Tal movimentação em cena junto à fotografia com planos fechados dão um ar de claustrofobia, mais uma vez evidenciando a angustia do personagem. Mastroianni consegue manter uma expressão serena, às vezes até sorrindo, porém, ao mesmo tempo, dá indícios de sua solidão. Só um ator desse calibre pra mostrar tanto em pouco (coisa parecida acontece com Irandhir Santos, um dos melhores atores brasileiro contemporâneos, em filmes como Obra e Ausência).

Aproximando-se do final, Marcello parece mesmo fadado à solidão num mundo de aparências. Depois da grande cena da festa em uma casa na beira da praia, o que sobra é um farrapo humano, desiludido em suas relações e completamente desajustado à sociedade, que em tempos atuais (começava nos anos 60, tempo do filme) junto com o capitalismo esmaga a subjetividade humana, no caso dele, da classe alta, e mata os pobres. Quando, enfim, chega à praia, reconhece, do outro lado da margem, a menina que encontrara certa vez em um restaurante. Tal encontro foi fundamental para reacender a vontade de viver. Naquela juventude (e diga-se, é preciso força para o trabalho cotidiano, que ele desconhece), ele vê a vontade de viver e contribuir em alguma coisa para o mundo, porém, ele já não é capaz de se ajudar. Há um muro entre sua consciência e a sociedade em que vive – exemplificada pelo trecho de água de corre e o separa da menina – e não esperamos mais nada a não ser a queda de Marcello. E então, de joelhos sobre a areia da praia, olha triste à menina que lhe sorri. Drama burguês, mas que exemplifica, em alto nível artístico, o avanço sem freios da sociedade que vive do espetáculo e das aparências.

Rodrigo Mendes