Joinville: Luta popular das mulheres no 8M

Poesia da Marina

Na zona sul da cidade, o dia internacional das mulheres foi de luta contra o patriarcado

 

Na sexta-feira (8), milhares de mulheres em todo o país foram às ruas para lutar por direitos e contra o feminicídio. Joinville não ficou fora do 8Marielle, a manifestação começou às 16 horas, na praça da Estação Ferroviária. Ali na praça mesmo, cerca de 80 pessoas fizeram a concentração para o ato de rua, que começou por volta das 19 horas.

 

Durante o período da tarde, estavam no cronograma: debate sobre a Reforma da Previdência, uma roda de conversa que contou com vários depoimentos sobre saúde mental, poesia declamada por Marina dos Passos, além de um debate sobre encarceramento.

 

Na conversa com o Grupo de Teatro do SÓIS e o Coletivo IMPAR, foi rememorado o histórico de luta antimanicomial, que transformou os serviços psiquiátricos em todo o país. Depoimentos mostraram as condições desumanas dos manicômios em crítica ao governo federal, após falarem que “nada substitui manicômios”.

O atual governo não considera o CAPS substitutivo da antigo modelo, o Centro de Atendimento Psicossocial oferece uma alternativa mais humanizada. Robson Benta, diretor de teatro, citou o filme Bicho de Sete Cabeças, que é um drama de relacionamento entre pai e filho, em que o pai decidiu internar o rapaz. O filme mostra que ele enfrentou condições horríveis de tratamento no manicômio.

 

“Às vezes a família acha que vai resolver, mas não existe nada que resolva de forma mágica, trancafiando pessoas”, explicou Robson. “Por fora o problema psicológico parece ser resolvido, mas dentro do corpo o ser humano é abandonado. O despreparo do governo e a sede que estão para reabertura pode causar tragédias”, disse. Como o caso do manicômio em Barbacena, Minas Gerais, onde 60 mil pessoas morreram em um genocídio entre 1903 e 1980, episódio conhecido na história como o Holocausto Brasileiro.

 

8Marielle também foi 8Marias. A primeira  contou uma história da família. Ela tinha 7 anos em 1968, sua irmã tinha 14, foi quando a irmã começou a sofrer surtos. Ela disse que na época tinha pouco conhecimento sobre o assunto, então sua irmã foi internada num manicômio de Florianópolis. Lá ela passou por torturas de choque, onde viu cenas horríveis e várias pessoas que sangravam. A irmã de Maria teve problema auditivo a vida toda, com infecções nos ouvidos por causa dos choques. Outra que fez seu relato foi Maria Regina Paula Gomes, contou a história de forma tímida e sem microfone, tendo passado por vários lugares na vida, incluindo Curitiba e São Paulo.

 

Jacson fez mais um depoimento. Ele tinha 20 anos quando bateu o carro, acidente em que fraturou a cabeça, o que acabou gerando sequelas. Até hoje ele sente o barulho da batida, dos vidros quebrando. “Não tomava mais banho, pensava coisas muito ruins”, relatou. No hospital regional, ficou dois anos internado, lá ele descobriu um coágulo no cérebro. Teve que contratar um advogado para conseguir uma aposentadoria, conquistada aos 25 anos. Ele não entra no hospital regional desde 2000, mas hoje toma remédios e faz acompanhamento psiquiátrico.

 

Emanuelle Carvalho, militante feminista, deu ênfase na discussão sobre homens e mulheres encarceradas. A população carcerária no Brasil já é a terceira maior do mundo e a conversa deve girar em torno de raça, classe e gênero. Em 90 dias, segundo Emanuelle, foram 200 notificações de feminicídio no Brasil. Dependendo da denúncia, não é enquadrado como feminicídio, então nem sempre os dados são corretos.

 

“Quando a gente pede o agravamento da lei, pode acabar não funcionando. Pessoas marginalizadas serão ainda mais punidas dentro do sistema capitalista”, disse Manu. Ela ainda lembrou que desde 2000 a PM notifica como incidente de trabalho quando matam. Ela ainda questionou de que maneiras podemos trabalhar com pessoas em situação de cárcere, como seria feito o diálogo. Rodas de conversa não acontecem em prisões, acontecem rodas de violência. Emanuelle disse que as mulheres se deslocam do outro lado da cidade para a penitenciária, e lá dentro são violentadas de diversas maneiras.

 

Tania Crescencio, vice-presidente do Conselho Carcerário, falou sobre um relatório de 13 folhas do Conselho, 8 páginas são sobre condições presidiárias, “desde o cardápio do agente prisional a quem está cumprindo pena”. Lembraram que em fevereiro, o juiz titular da 3ª Vara Criminal e de Execuções Penais da Comarca de Joinville, João Marcos Buch, limitou em 72 o número de mulheres no Pavilhão 1 do presídio regional de Joinville. Atualmente, há 71 detentas, mas a área é destinada para 53 mulheres. Não existe uma ala especial para mulheres no presídio, ficam a poucos metros das alas masculinas.

 

Carine Aguiar Machado, do Movimento Mulheres em Luta, disse que a reforma da previdência vai atacar diretamente as mulheres trabalhadoras, não as burguesas. Por causa da violência física e psicológica contra mulheres, ela exigiu que mulheres tenham um lugar para reivindicar seus direitos.

 

Clarice Erhardt é do Sinte e professora estadual, falou que o aumento da idade mínima não é a maior ameaça, e sim o fim da aposentadoria pública e solidária, que vai contribuir para a capitalização mundial com a aposentadorias privadas. “Quando a gente se aposentar, não vamos ter garantias de nada. É um duro ataque contra mulheres trabalhadoras e devemos levar a discussão para as casas, locais de trabalho e escolas”, discursou.

 

Evelyn de Jesus falou em nome do Centro Acadêmico Livre de História Eunaldo Verdi (Calhev) sobre um novo coletivo feminista na cidade, o Pagu. Elas produziram zines para entregar na manifestação, material sobre assédios, principalmente por parte de professores dentro das salas de aula. O ato foi muito importante para Evelyn, que já tinha participado de outros atos de rua, mas foi o seu primeiro no 8 de março como mulher de luta, com amigas e amigos. “Foi bem especial a presença da minha amiga Ana Medeiros, foi com o pequeno filho dela, o primeiro ato de rua. As mulheres se organizaram muito bem e só temos a agradecer por um ato tão bonito e organizado”, disse ao RP. Depois Evelyn apresentou a poetisa e estudante Marina dos Passos, que recitou uma poesia, está no final do texto.

 

Jéssica Michels, feminista e militante do PSOL Joinville, disse que não tem como falar de política sem falar de classe. Convidou todas as pessoas presentes para um ato de cobrança no dia 14 de março, quando completa um ano da morte de Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes, assassinatos com indícios da participação de milícias paramilitares organizadas no Rio de Janeiro.

 

Fernanda Eliza, militante do Movimento Passe Livre e do Coletivo Anarquista Bandeira Negra, relacionou a manifestação com o incêndio ocorrido em Nova York no dia 25 de março de 1911, quando 146 trabalhadores morreram, sendo 125 mulheres e 21 homens, que denunciou ao mundo as condições da Revolução Industrial. “Não é feminismo liberal, não é só pelos nossos corpos, é por todas as mulheres trabalhadoras”.

 

Letícia Helena, produtora cultural na Associação de Moradores do Bairro Itinga (AMORABI) e atriz, mandou um salve para todas as mulheres que vieram antes dela, as ancestrais de luta. “A gente acredita na nossa revolução através da arte”, falou Letícia. Ela citou o exemplo da Estação Primeira de Mangueira, campeã do carnaval carioca em 2019. A Mangueira apresentou o enredo História Para Ninar Gente Grande, criado pelo carnavalesco Leandro Vieira, que exaltou heróis da resistência brasileira, especialmente índias e negras. Claudia, indígena da aldeia Tarumã, em Araquari, agradeceu pelo convite e disse que o povo indígena está na luta pela demarcação de terra.

 

A manifestação na rua começou exatamente 19h10. Manifestantes liderados por mulheres saíram da praça da estação ferroviária em direção a rua Botafogo, pela rua Santa Catarina. No caminho, lidaram com a truculência de agentes de trânsitos, que agiram com grosseria diante das pessoas. O trancamento da rua foi o motivo, era pra ser feito parcialmente, mas só deixaram o corredor do ônibus livre. Enfim, se fosse uma manifestação inútil sem intenção de incomodar, ela seria feita em algum domingo, não seria organizada pela esquerda. Os carros passaram pelo corredor do ônibus quase atropelando manifestantes.

Apesar das intimidações dos guardas de trânsito, que foram devidamente fotografados, assim como as placas dos seus veículos, as pessoas seguiram pelo ato até a rua Botafogo. Na rua Botafogo aconteceu outro problema com agressividade, porém com civis. Dois homens impacientes tentaram furar o bloqueio na rua, mas foram barrados por mulheres e bicicletas. Um homem, que estava de carona com outro, saiu do carro e começou a gritar com as mulheres. Aconteceu na esquina da Rua Botafogo com a Rua São Paulo, em frente à Cantina da Pizza, bem próximo à Sociedade Kenia Club.

 

O DeMães, grupo de teatro playback, encerrou o dia se apresentando no Kenia. É um grupo de mulheres/mães que discutem maternidade por meio da arte. No teatro, o grupo se apresentou com base nas histórias das mulheres da plateia, que quiseram expor seus sentimentos, como problemas com chefes homens no trabalho e saudade da mãe. O teatro playback teve essa interação com o público, mulheres puderam falar das suas experiências e se ver retratadas no palco, historicamente é um espaço de resistência negra.

 

Sara Silva, que integra o Fórum de Mulheres de Joinville, disse que a avaliação da atividade vai ser feita coletivamente na semana que vem. Enquanto integrante do movimento, ela considerou que a “manifestação foi bem positiva, principalmente por contar com a presença de vários coletivos em movimento unificando uma pauta. “A escolha do trajeto foi muito feliz, pois a Rua Santa Catarina é uma das mais importantes avenidas de acesso a zona sul, é pouco ocupada por movimentos sociais. É uma forma da gente se expressar e dar visibilidade pra comunidade das nossas pautas”, disse ao RP.

Feminista e mãe trabalhadora, disse que a perspectiva agora é continuar na cobrança do poder público para que hajam de fato políticas públicas direcionadas às mulheres e um combate à violência contra mulher.

Texto: Lucas Borba.

Poesia da Marina

Elevo os meus olhos para os céus
só de onde vem o meu socorro

as autoridades aqui fecham os olhos
enquanto o nosso sangue escorre do morro

eu corro pra casa ao anoitecer
a noite assusta, mas pior ainda é temer
o homem que dorme no quarto ao lado
de tato gelado
irado ao me ver.
 
Metade das nossas mortes são “assassinatos íntimos”
e dessa metade, metade é no lar:
mas se alegar traição, ou um “filho ilegítimo”
a justiça legitima o coitado a se vingar.
Nossos óbitos são pré-anunciados
e o Datena sabe muito bem
que vendendo nossos corpos banalizados
na mídia, ninguém se detém.

Os detalhes deixam, é claro, todos horrorizados
com mais um caso… pontual
mas não contribuem para um olhar crítico
sobre o entretenimento da “justiça” criminal.

E no tribunal… até morta a gente é o réu
“Com certeza a culpada foi ela
namorando traficante,
bem que mereceu!”
Seu dedo apontado ignora
que o dedo no gatilho
também é o teu.
Não entendeu?

O feminicídio é a instância última
do controle da mulher pelo homem
eis finalmente, nas suas mãos
o controle sobre nossa vida e morte.
É forte.
E começa na sua piada
que legitima mais um preconceito
da mulher “irracional, é doida a coitada”
que nas mãos de um homem firme, é então subjugada
controlada
domada.

Ré que já nasce condenada pela condição de existência
a fúria que nos mata é sistêmica
no 5° país que mais mata mulheres
tornar-se mulher é questão de sobrevivência.
Experiência. Inteligência. Resiliência. Competência.
Não nos elogie por nossa beleza,
nossa força reside é na resistência!

E não me venha pedir paciência
tudo isso não passa de consequência
sociedade sociopata que vive da violência:
no mundo do livre mercado só se é livre sob obediência.

Obediência a um Estado
que co-participa de cada assassinato
não precisou nem de arma na mão:
continuamos posses no seu baronato.
 
Eles agem na ‘macroestrutura pela estabilização
do sistema político e econômico ainda em operação.
A matemática é simples:
Participação, silenciamento e omissão.
 
Mas se eles se calam
a gente continua gritando
porque enquanto eles nos matam
as mulheres estão ressuscitando:
 
a gente sabe quem foi Tauane
a gente sabe quem foi Marielle
e enquanto a memória tá viva
a dor da perda só nos impele
a sermos mais fortes, e mais unidas
a darmos as mãos antes da partida
a educarmos os nossos meninos
e crer num futuro onde haja vida
e o lema não seja: sobreviva.

Se a semente morre, a raiz cresce
e o nosso sangue a tem regado
olhar para trás hoje nos impulsiona
a ver o jardim que aqui dentro floresce
até que o único sangue nosso derramado
seja aquele que a natureza concede. 


eu corro pra casa ao anoitecer
a noite assusta, mas pior ainda é temer
o homem que dorme no quarto ao lado
de tato gelado
irado ao me ver.
 
Metade das nossas mortes são “assassinatos íntimos”
e dessa metade, metade é no lar:
mas se alegar traição, ou um “filho ilegítimo”
a justiça legitima o coitado a se vingar.
Nossos óbitos são pré-anunciados
e o Datena sabe muito bem
que vendendo nossos corpos banalizados
na mídia, ninguém se detém.

Os detalhes deixam, é claro, todos horrorizados
com mais um caso… pontual
mas não contribuem para um olhar crítico
sobre o entretenimento da “justiça” criminal.

E no tribunal… até morta a gente é o réu
“Com certeza a culpada foi ela
namorando traficante,
bem que mereceu!”
Seu dedo apontado ignora
que o dedo no gatilho
também é o teu.
Não entendeu?

O feminicídio é a instância última
do controle da mulher pelo homem
eis finalmente, nas suas mãos
o controle sobre nossa vida e morte.
É forte.
E começa na sua piada
que legitima mais um preconceito
da mulher “irracional, é doida a coitada”
que nas mãos de um homem firme, é então subjugada
controlada
domada.

Ré que já nasce condenada pela condição de existência
a fúria que nos mata é sistêmica
no 5° país que mais mata mulheres
tornar-se mulher é questão de sobrevivência.
Experiência. Inteligência. Resiliência. Competência.
Não nos elogie por nossa beleza,
nossa força reside é na resistência!

E não me venha pedir paciência
tudo isso não passa de consequência
sociedade sociopata que vive da violência:
no mundo do livre mercado só se é livre sob obediência.

Obediência a um Estado
que co-participa de cada assassinato
não precisou nem de arma na mão:
continuamos posses no seu baronato.
 
Eles agem na ‘macroestrutura pela estabilização
do sistema político e econômico ainda em operação.
A matemática é simples:
Participação, silenciamento e omissão.
 
Mas se eles se calam
a gente continua gritando
porque enquanto eles nos matam
as mulheres estão ressuscitando:
 
a gente sabe quem foi Tauane
a gente sabe quem foi Marielle
e enquanto a memória tá viva
a dor da perda só nos impele
a sermos mais fortes, e mais unidas
a darmos as mãos antes da partida
a educarmos os nossos meninos
e crer num futuro onde haja vida
e o lema não seja: sobreviva.

Se a semente morre, a raiz cresce
e o nosso sangue a tem regado
olhar para trás hoje nos impulsiona
a ver o jardim que aqui dentro floresce
até que o único sangue nosso derramado
seja aquele que a natureza concede.