Jauja, de Lisandro Alonso, e a passagem do tempo

Em um filme no qual o personagem principal é a natureza, nos perguntamos: até onde o tempo e a natureza podem interferir na nossa vida?

Em Jauja, planos longos e silenciosos tratam com uma verossimilhança incrível a passagem do tempo e de como ele destrói e consome as pessoas. E não é a toa que, em duas ou três falas do filme, ouvimos falar que “o deserto nos consome”. (Talvez fosse possível um paralelo com o livro Grande Sertão: veredas de João Guimarães Rosa, não só pela proximidade espacial – ambos se passam no sertão – mas também pela dificuldade de se lidar com a natureza agreste e hostil dessas partes geográficas).

Esses planos longos são necessários para mostrar o passar lento do tempo e de como o personagem principal (Gunnar), a procura de sua filha, vai se perdendo em meio a ele. Consequentemente, a narrativa desenrola-se vagarosamente, o que não impede de desfrutarmos totalmente desse grande filme. Lisandro Alonso, o diretor, não é o primeiro a usar do artifício de planos longos que, pela própria natureza de sua lentidão, envolvem não só as personagens mas  também os espectadores numa atmosfera única com ritmo próprio. Béla Tarr e Ágnes Hranitzky no belíssimo As harmonias de Werckmeister também se valem disso, com outra semelhança ainda: o papel importantíssimo do elemento natural, neste caso o inverno rigoroso europeu e, em Jauja, o sertão. (Vale lembrar que essa lentidão da narrativa diz sobre um lugar incômodo e por isso interessante no mundo contemporâneo rápido e instantâneo – numa sociedade cada vez mais rápida e moderna, qual o lugar de um filme que se move como que resistindo a essa velocidade?).

É de modo interessante como o diretor ilustra os problemas causados por uma reclusão em meio ao nada, como por exemplo, logo nas cenas iniciais, vemos um dos líderes do acampamento se masturbando, e logo em seguida, não hesita em mostrar-se interessado pela filha de Gunnar (Mortensen), uma menina que deve estar no auge dos seus 18 anos. E o diretor não para por aí. Na sequência em que a menina foge com o seu amor, Gunnar encontra este último a beira da morte, morte esta que o rapaz credita à Pittaluga, o líder do início do filme. Situações violentas como machismo e quase pedofilia e depois a morte são conseqüências dessa vida isolada e problemas estruturantes das nossas sociedades.

A relação já estabelecida de tempo-natureza-humano chega ao seu ápice na fantástica sequência na caverna, na qual Gunnar encontra sua filha, porém esta está mais velha, idosa já, e com uma sabedoria que não tinha quando Gunnar a perde. Seguem-se diálogos magníficos, em que os pensamentos se cruzam, em momentos parecem não fazer sentido, mas ao final, analisados como um todo, soam fantasticamente verossímeis. É uma maneira de trabalhar com a realidade se maneira poética e quase fantástica (último paralelo que lembro é a possibilidade de comparação com o escritor colombiano Gabriel García Márquez e seu chamado realismo mágico, estética que mescla esses elementos a princípio contraditórios ‘realidade’ e ‘magia’ e os uni, com resultado muito interessante).

Após essa licença poética utilizada pelo diretor, há um corte (uma elipse grande, aliás) para a Dinamarca dos tempos atuais, e vemos a mesma menina, provavelmente uma descendente de Gunnar. Nesse epílogo, o diretor finaliza uma história sobre o tempo e a vida de modo brilhante, pois nada mais didático do que mostrar a mesma atriz em dois pontos totalmente distintos da história (leia-se: anos), interpretando uma menina de uma mesma família e ainda sim com as mesmas idiossincrasias, e não é a toa que, antes de acabar o filme, há uma fusão entre o lago da casa onde a menina atual mora e um pequeno pedaço de água da cidade de Jauja, mostrando com isso que o passado e o presente estarão sempre unidos ao longo dos anos.

Rodrigo Mendes