Impressões antigas de “As harmonias de Werckmeister”

(Este texto é de 2015. Decidi fazer mínimos ajustes e publicá-lo como forma de medir minha recepção desse filme que gosto muito e de perceber, quando da revisão, as diferenças que o tempo traz. Em algum tempo escreverei outro sobre o mesmo As harmonias de Werckmeister.)

Béla Tarr e Ágnes Hranitzky transformam o simples cinema em um espelho da vida, demonstrando a rotina com uma verossimilhança espetacular. A começar pelos longos planos (em torno de 20), que transmitem uma verdade em seus movimentos lentos, tanto de câmera quando de mise-en-scène – movimentação dos atores na gravação –, o estudo de cada cena vai ao seu auge no plano-sequência no hospital, onde há uma atmosfera de agitação e uma crescente tensão de modo natural, contando apenas com seus atores, sem uma trilha que suscite artificialmente isso ou uma câmera agitada.

Um ponto alto do filme é, sem sombra de dúvidas, o roteiro, com seus simbolismos e significados profundos acerca da existência humana e da vida levada ao longo dos anos pela sociedades. O filme, desde seu princípio, coloca o ser humano em um patamar de inferioridade, e durante a projeção nos confrontamos com isso em diversos momentos, seja pela encenação do sistema solar na cena inicial, ou pelo contraste enorme que a baleia (atração que um circo leva à cidade) provoca ao vermos János ou seu tio ao lado dela.

A chegada de um circo à cidade com uma grande baleia empalhada e um “Príncipe” trazem consigo uma tensão que os moradores locais não estavam habituados, e o uso do inverno rigoroso como metáfora a essa recente onda de tensão representa brilhantemente a opressão que os moradores sofrerão a seguir.

Um filme estranho, que demonstra sua força no decorrer do tempo, com uma atmosfera sombria e sua tensão crescente, de modo que acabamos o filme refletindo profundamente sobre o papel do Príncipe na manipulação de massas, no comportamento ético e moral da sociedade diante de acontecimentos catastróficos e, mais uma vez, vemos a inferioridade do ser humano em relação não só ao universo, mas a ele mesmo.

Rodrigo Mendes