Esse texto faz parte de uma série de relatos de uma moradora de Barcelona ligada às lutas por moradia na região.
O primeiro texto, você encontra aqui: Greve de aluguéis na Espanha, resumo da situação no país.
Na luta pela moradia no estado espanhol, há dos fatores-chave: o aumento dos preços da moradia e a escassez de moradia em aluguel.
Ouça o relato completo da companheira que nos enviou as informações para nossa série de textos:
No caso da subida dos preços, foi causada pela chamada “bolha imobiliária” de 2007 e 2008, ligado a construção obsessiva e sem sentido de habitações, junto coma especulação e corrupção nessas obras. A bolha imobiliária tem precedentes na Lei do Solo do 1998, feita pelo presidente conservador José María Aznar. Essa lei declarava urbanizável tudo o solo, excetuando aquele onde estivesse expressamente proibido construir, criando um modelo econômico baseado na construção residencial especulativa, o chamado boom imobiliário, que ocasionou umas aproximadamente 6 milhões de casas vazias, além de um grande desemprego, já que monte de jovens, que começaram a trabalhar na construção, ficaram desempregados e em situação de grande precariedade. Além dos jovens, os mais afetados foram as pessoas migrantes que chegaram para trabalhar na construção e depois perderam os seus empregos e ficaram sem trabalho.
Foram tempos onde o discurso da abundância e do crescimento econômico terminou caindo pela sua própria insustentabilidade, deixando um grande desemprego e 2/3 dos pisos construídos ficaram obsoletos.
Por outro lado, a escassez de moradias em aluguel é devido às políticas fiscais do estado espanhol, que dão continuidade as políticas de José Luis Arrese, o primeiro ministro de Habitação da ditadura franquista, que falava “queremos um país de proprietários, não de proletários”.
Diferentes políticas e discursos desenvolvidos pelo Estado e promovidos desde imobiliárias a outros agentes, foram estabelecendo no imaginário geral que pagar um aluguel é uma coisa estúpida podendo pagar hipoteca para ter a propriedade.
Com a chegada da crise econômica de 2008 a 2012, causada pela explosão da “bolha imobiliária”, vão surgindo diferentes agrupações, ações massivas e mobilizações nas diferentes cidades, denunciando a especulação e reclamando o direito na moradia digna (direito reconhecida na Constituição Espanhola de 1978).
Para considerar a dimensão dos protestos, cabe destacar que por temor de possíveis incidentes, foi suspendida em Barcelona a Cume Europeia de Ministros de Vivenda em outubro de 2006.
Se fizeram diferentes chamamentos, ocupações simbólicas em diferentes cidades do Estado Espanhol.
Cabe destacar o papel dos chamados “fundos abutre” ou “holdout” na problemática da moradia desde a crise do 2008 até hoje. Eles são fundos especuladores no âmbito financeiro os quais compram dívidas de entidades, empresas, países etc em momentos de crise para depois, pressionar aos governos e obter benefícios. No caso da Espanha, eles compraram monte de habitações aos bancos e empresas públicas e particulares para despejar aos moradores e poder especular com as habitações no mercado imobiliário.
Plataforma de Afetados pela Hipoteca
Em 2009, se forma a Plataforma de Afetados pela Hipoteca, um movimento social apartidário de uma grande importância e com grande reconhecimento social.
A organização é uma plataforma de referencia em Espanha, tem um grande apoio e reconhecimento social. Tão grande é o trabalho que fazem que algumas companheiras denunciam o fato de que em monte de ocasiões, os serviços sociais enviam as pessoas diretamente na PAh, ao invés de procurar soluções com os recursos do Estado. Os ativistas da moradia denunciam na hipocrisia do Estado nesse tipo de atuações, já que reprime e persegue a paralisação dos despejos com multas e violência policial, ao mesmo tempo que não cumpre suas funções e utiliza a existência da PAH para amenizar os efeitos das suas políticas.
A PAH tem conseguido parar centos de despejos com concentrações, protestos e negociações com bancos. O seu papel é fundamental, já que o número de despejos no estado é alarmante (foram contabilizados 70.000 no ano 2018), a falta de alternativas habitacionais é clara; a turistificação aumenta e a subida dos preços do aluguel não deixa de aumentar devido ao crescente número de pisos turísticos, os chamados AirBnB; a criminalização ao movimento okupa com o endurecimento das penas e as mentiras inventadas pela mídia são cada vez maiores; monte de moradores de rua denunciam a situação de persecução e desamparo…
É importante considerar também a relação entre a pobreza e a condição de migrante, refugiado ou pertencente na comunidade cigana.
Em resumo, a luta por conseguir satisfazer uma necessidade tão básica como é a moradia, a organização e a defesa desse direito vira uma das lutas mais básicas e necessárias, totalmente interseccional com outras lutas, tais como a feminista, a anarquista, a antirracista, etc.
O primeiro objetivo da PAH é gerar um espaço de confiança e comunidade através das reuniões presenciais, já que para as pessoas que vão ser despejadas é fundamental combater a culpa e o abatimento moral que se sofre. O processo de desculpabilização é um passo necessário e prévio a afirmação política e pessoal.
Daí, a PAH procura se constituir como um espaço de solidariedade, refúgio e análise, que depois, procura transformar as problemáticas individuais em problemáticas que precisam repostas coletivas. A metodologia é assemblaria, os casos se tratam e assessoram coletivamente, capacitando as pessoas técnica e emocionalmente para se enfrentar as entidades bancárias. A coletividade é, segundo a PAH, “um dos mecanismos mais efetivos para nivelar a relação de forças desigual entras as partes em conflito”.
A PAH mostra como “as pessoas comuns podem se converter em sujeito político e desafiar ao discurso capitalista de que os direitos da propriedade devem antepor ao bem comum e mais concretamente, ao direito na moradia”.
Depois do Movimento do 15M no ano 2011, uns protestos massivos de uma grande importância na história do ativismo recente, o movimento pela vivenda se juntou com movimentos comunitários e ativistas de outros setores, cresceu e se consolidou a nível estatal.
Atualmente, os objetivos principais são três:
– Obter a chamada consigna “dação em pago retroativa”, o que significa que quando uma pessoa seja despejada, não tenha que continuar pagando a hipoteca da mesma, mesmo não more mais nela. Atualmente, ainda é comum que os bancos tentem obter o pagamento mesmo após o despejo;
– A paralisação dos despejos;
– A conversão das casas hipotecadas em alugueis sociais.
A PAH tem grupos em muitas das cidades do Estado e, inclusive, vários grupos por cidade (nos diferentes municípios e bairros). Muitas vezes, o objetivo da PAH é conseguir o aluguel social, ou seja, ocupar imóveis vazios para pressionar para que o poder público cumpra sua obrigação e auxilie aqueles que não tem moradia. No entanto, as ocupações feitas pela PAH também servem para que as pessoas possam morar nos espaços que ocupam. Existem ligações fortes entre a PAH e outros movimentos por moradia. Em algumas cidades do Estado espanhol existem as chamadas “Oficinas de Ocupação”, projetos que ensinam a promover essas ações por moradia.