O primeiro dia de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) se iniciou hoje (17) em perigo. Após o fechamento dos portões, às 13h, depoimentos de estudantes que ficaram de fora por conta da superlotação começaram a inundar as redes sociais. Os relatos, vindos de diversos estados, apontam informações desencontradas por parte dos realizadores da prova. Ana Pina, no twitter, diz que seu irmão recebeu recomendação de tentar remarcar a prova no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Isa Soares, em resposta, diz que recebeu a opção de entrar na sala sem condições de distanciamento ou remarcar para fevereiro.
No Espaço Físico Integrado da Universidade Federal de Santa Catarina, por exemplo, o critério decidido para realização das provas – sem qualquer aviso aos estudantes – foi por ordem de chegada. A professora de biologia Mayana Leal foi surpreendida ao conduzir um aluno até o local de prova e descobrir que, ao atingir o número de estudantes estabelecidos no interior, todos os demais devidamente inscritos seriam excluídos do certame.
“Já estávamos preocupados porque sabíamos que a lista de alunos para as salas superaria e muito o limite que tinham acordado de 40%. Estava chegando em 80% de lotação, mas como nada foi adiado ou cancelado, imaginamos que os alunos ficariam lotados na sala, enfrentando um baita risco, mas iria acontecer”, relata a docente. “Chegamos no prédio para levar um aluno e a fila estava imensa, mas era bem cedo ainda, 12h15, bem antes do horário de fechamento do portão. Cogitei sentar em uma sombra para esperar mais próximo do horário, mas apareceu um fiscal da prova e alertou que a gente esperasse na fila porque quando lotasse o espaço não entraria mais ninguém”.
Se, por um lado, Mayana Leal teve alívio pela exposição deestudantes dentro da sala ser menor, por outro lado, surgiu a preocupação dos demais estudantes que, mesmo chegando no horário, ficariam fora do percurso. “Eles selecionaram sem aviso prévio nenhum. Organizaram que seria assim sem que os candidatos soubessem. Foi totalmente arbitrário”, relatou.
A preocupação foi ainda maior ao saber que os estudantes sequer receberam qualquer garantia sobre a realização das provas em outro momento. “Um relato que ouvi de uma menina que não conseguiu entrar foi que não receberam nenhum comprovante que estiveram ali e estão se sentindo totalmente desamparados”, conta. “Entraram no dia e na hora marcada, e não puderam entrar para fazer a prova. A única coisa que fizeram foi avisar que entrassem no site do Inep para marcar a prova outro dia, mas tudo totalmente solto. Quem estava preparado pra fazer a prova hoje voltou totalmente desamparado”. Uma lista de presenças informal chegou a ser criada pelos candidatos.
Vídeo de Duque de Caxias (RJ), publicado no twitter por @httpcabeyox.
O segundo dia de prova na aplicação regular está agendado para o próximo domingo (24). Um segundo conjunto de datas está agendado para 23 e 24 de fevereiro, buscando contemplar estudantes que apresentassem documento médico indicando sintomas de Covid neste momento, mesma data alocada para estudantes afetados por desastres naturais ou em privação de liberdade.
A realização da prova na atual data esteve cercada de disputas. Após o adiamento da primeira data, em novembro, uma consulta foi realizada com milhões de estudantes inscritos. Frente às opções de prova em dezembro, janeiro ou maio, a opção pela realização em maio de 2021 foi a mais votada, mas mesmo assim o MEC decidiu pela realização em janeiro.
No último mês, em que os casos de covid voltaram a crescer em todo o país, uma campanha pelo adiamento da prova foi realizada por diferentes atores. Entidades estudantis, como a União Nacional de Estudantes Secundaristas (UBES) e a União Nacional de Estudantes (UNE); o Fórum de Pré-Vestibulares Populares do Rio de Janeiro; e até mesmo Secretários de Educação estaduais exigiram do Governo Federal o adiamento. No entanto, o Ministro da Educação, Milton Ribeiro, negou a possibilidade e ainda chamou a oposição de uma “minoria barulhenta”.
Frente à calamidade da situação da pandemia no Amazonas, a realização das provas em todo o Estado foi cancelada por decisão da Justiça Federal. Três cidades de Rondônia tiveram decisões similares. Ainda assim, o Governo Federal, através da Advocacia-Geral da União (AGU), tentou recorrer da decisão da Justiça Federal no mesmo dia em que o oxigênio acabou nos hospitais de Manaus.
A posição do INEP, no dia 14 de janeiro, foi de que não poderia garantir a realização da prova em uma nova data, buscando impedir que outras cidades e estados adotassem medidas análogas ao Amazonas.
Para sustentar a realização das provas, o presidente do Inep, Alexandre Lopes, chegou a alegar à imprensa que o Instituto havia adotado os protocolos de segurança para “garantir a traquilidade tanto das pessoas que vão fazer as prova quanto de quem vai aplicar o Enem”. Na prática, entretanto, o que se confirmou foi a anunciada consequência alertada por diversas organizações: lotações nas salas, aglomerações nas portas dos locais de provas e confusão.
Em meio a todos os alertas sobre a impossibilidade de assegurar que o Exame Nacional ocorresse com segurança, pelo menos 50 ações foram registradas contra a realização das provas. A Advocacia Geral da União (AGU) atuou em força-tarefa para garantir a manutenção da data, recebendo positivamente as decisões dos órgãos como o Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Na maior parte dos casos, a Justiça Federal acolheu os argumentos da AGU de que havia segurança para a realização das provas, negando também o adiamento.
O Brasil hoje passa de 209 mil mortes por Coronavírus, segundo dados levantados pelo consórcio nacional de imprensa. Sábado (16) foi o quinto dia seguido com mais de 1000 mortes, com aceleração na média móvel em 13 estados brasileiros.
Até o momento, não se sabe que procedimento será adotado pelo Inep e Governo Federal para estudantes que não conseguiram realizar a prova no dia de hoje.
Foto de capa: Diorgenes Pandini/NSC