Ruas degradadas, uso de drogas, violência, prostituição, noite. Para quem conhece, essa atmosfera remete imediatamente aos filmes de Martin Scorsese. Provavelmente tu lembraste do icônico Taxi Driver, mas aqui me refiro a Vivendo no limite (1999). Ao invés da Nova York dos anos 70, estamos duas décadas à frente, mas os problemas sociais que acometem a grande maça seguem os mesmos. A lente apurada de Scorsese capta essa tensão de maneira inteligente e instigante.
Acompanhamos o cotidiano altamente estressante do paramédico Frank, interpretado habilmente por Nicolas Cage. O trabalho noturno, repleto de sangue, barulho e tensão, se junta à solidão do personagem em meio ao turbilhão social da metrópole contemporânea. A estética noturna, aliás, é um acerto claustrofóbico do filme: 99% das cenas se passam à noite, e a escuridão, mesclada ao flashs vermelhos da sirene da ambulância, que por sua vez remetem ao sangue, à violência, à morte inerente ao serviço que Frank faz, causa um desconforto permanente no telespectador.
A rapidez, algumas vezes desfocada, das cenas, demonstra a intensidade daquele cotidiano avassalador, e muitas vezes remete à loucura que paira sobre os funcionários, que adoecem a cada dia que permanecem naquele trabalho. O esfalfamento de Frank o leva a pedir demissão, que é sempre negada por seu chefe, que precisa manter o atendimento funcionando, mesmo expondo os funcionários num contexto de escassez e precarização de mão de obra.
O paralelo com Taxi driver é claro, com suas diferenças. Aqui o centro é a vida, a possibilidade de viver num determinado contexto histórico. A labuta de Frank lida sempre com o limiar tênue da vida com a morte, muitas vezes resultando nesta última, o que o afeta psicologicamente, mas ao mesmo tempo o força a lutar pela sobrevivência dele e dos que atende. Não à toa NY é a capital do mercado financeiro, e a violência e consequente morte na base da estrutura social certamente se relacionam intrinsecamente com o desenvolvimento econômico da cidade e do país. Ironicamente, o título em inglês é ‘Bringing Out the Dead’, literalmente ‘trazendo os mortos’. Cabe reflexão.
Rodrigo Mendes