Flexibilização imprudente do isolamento social no Rio Grande do Sul e demais estados

por Jara

Flexibilizar o isolamento agora nos levará diretamente para a fila do abatedouro. “O trabalho liberta”¹, dirá o governo federal, pela salvação da economia e dos lucros dos mais ricos. “O trabalho liberta”, dirá o governo federal, incentivando as aglomerações e a expansão da cadeia de contágio. É tudo feito em nome de uma suposta “liberdade” de “ir e vir” quando, na verdade, o que está em jogo é a liberdade para podermos ser explorados e depois jogados em valas comuns, tudo pela ganância daqueles que pensam primeiro no lucro sempre crescente dos senhores da economia, em detrimento da vida alheia.

O Rio Grande do Sul é o 5º estado do Brasil que menos realiza testes para coronavírus, são 90 testes realizados para cada 100 mil habitantes, segundo o IBGE e a Secretaria da Saúde do Estado². A pesquisa feita recentemente pela UFPel³, encomendada pelo governo do estado, aponta que existe uma enorme subnotificação de casos confirmados no Rio Grande do Sul. Segundo esta pesquisa, o número real de casos seria 9 vezes maior do que o número de casos confirmados hoje, ou até mais. Mesmo que o governo estadual tenha algum panorama da situação com essa pesquisa, segue no escuro, desconhecendo a sua real situação, sobretudo no combate à crise sanitária causada pela pandemia, mas também em relação ao enfrentamento da crise econômica, política e social que todo o país tem enfrentado. Carecemos da implementação de políticas eficazes no combate à proliferação do vírus, assim como carecemos de políticas públicas que enfrentem de forma eficaz os problemas econômicos e sociais que afligem a população. O plano de combate do governo do Rio Grande do Sul com o sistema de bandeiras e de forma setorizada só tem por objetivo afrouxar o isolamento social até ocupar todos os leitos de UTI disponíveis no sistema público de saúde.

Qualquer medida de flexibilização do isolamento social agora para a “retomada” da economia é precipitada e irresponsável, podendo ser inclusive prejudicial à própria economia4. De um certo modo, já vivemos uma crise humanitária no território que chamamos de Brasil desde o ano de 1500 com a invasão dos colonizadores. Essa crise tem se agravado nos últimos anos, a cada ataque das classes dominantes ao povo, com a retirada de direitos, com a piora nas condições dos serviços públicos, como saúde e educação, e com o aumento do custo de vida. Analisando o momento atual, onde em plena pandemia vemos o governo e os patrões fazendo pressão para acabar com o isolamento, querendo expor as populações mais vulneráveis e a classe trabalhadora ao contágio. E quem se recusar enfrenta o fantasma do desemprego e a incerteza.

Qualquer profissional sério e responsável, tanto do setor da saúde quanto de qualquer outro setor da economia, dirá que é melhor prevenir do que remediar, ainda mais se levarmos em conta que estamos no escuro em relação à disseminação desse vírus e que temos várias outras referências de êxito e fracasso no mundo inteiro para seguirmos. Pelo caminho percorrido estamos seguindo as de fracasso. Convém deixar claro que, neste momento, é irresponsável, inconsequente, negligente e genocida qualquer medida de flexibilização no Rio Grande do Sul. A pressão política de parlamentares, membros do poder executivo, de setores do empresariado e da indústria, e a opinião pública favorável ao fim das medidas de isolamento social não mudarão o cenário. Não é uma questão de opinião, nem de “torcer para que dê certo”, é uma questão de saúde pública e, como tal, deve ser vista de acordo com o conhecimento científico, as estatísticas e os fatos disponíveis.

O combate será mais fácil e eficaz o quão menor for o número de infectados. Portanto, é fundamental o isolamento social disciplinado e rígido pelo bem comum, pela saúde de todas e todos, para que se possa começar a rastrear mais facilmente os vetores de transmissão comunitária e freá-los, isolando tanto esses vetores como as pessoas que potencialmente se contaminaram. Pois, enquanto houver transmissão comunitária, a pandemia seguirá em proliferação sustentada e progressiva com um crescimento exponencial, conforme explica o engenheiro e PhD em física de partículas Maurício Féo em seu vídeo que viralizou nas redes sociais6. De fato, também devemos bloquear qualquer tipo de transmissão importada de outras localidades, antes mesmo de qualquer medida de flexibilização, e sequer isso está sendo feito de forma exitosa.

A UFMG divulgou semana passada um estudo mostrando que o isolamento social tem efetividade de mais de 80% contra a propagação do vírus7. Os pesquisadores envolvidos no estudo, assim como a própria universidade, se manifestaram contra qualquer tipo de flexibilização. Porém, as políticas de flexibilização federal, estadual e de muitos municípios gaúchos, cooperam assim com a proliferação sustentada do vírus, afinal pesquisadores afirmam que a maioria dos casos são assintomáticos e são esses que mantém a propagação do vírus8 e, logo, são difíceis de serem rastreados. É importante salientar que 1 a cada 4 brasileiros compõe o grupo de risco9.

A Lombardia, epicentro da doença na Itália e uma das maiores potências econômicas do país, com ótimos hospitais, vários leitos de UTI e ótimas equipes de saúde, teve 26% de óbitos dos internados na UTI por covid-1910, ou seja, aproximadamente 1 a cada 4 pacientes internados foram a óbito. Sabendo-se que as pessoas que compõem o grupo de risco são mais suscetíveis a virem a óbito e costumam integrar classes sociais mais vulneráveis, com menos recursos, façamos um cálculo simples: 26% de ¼ dos infectados mais graves (que são geralmente os brasileiros do grupo de risco) vão a óbito na UTI, então temos aproximadamente 1/15 do total, ou seja, 1 a cada 15 pessoas pode vir a morrer com a flexibilização ou a ausência de um isolamento social eficaz, caso todos se contaminassem, havendo leitos suficientes para todos. Isso em números absolutos representa mais de 13 milhões de brasileiras e brasileiros mortos em decorrência do covid-19.

Pegamos o exemplo citado pelo presidente há alguns dias: A Suécia, um país nórdico que tem alto índice de desenvolvimento humano e forte investimento em políticas de bem-estar social, possuidora de uma generosa assistência social e um sistema de saúde pública de excelência. Adotou um isolamento social voluntário, não obrigatório, cheio de flexibilizações, uma vez que o seu governo negligenciou as medidas de isolamento social fundamentais para o combate a essa doença. O país teve 15 vezes mais mortos que sua vizinha Noruega. No entanto, todos os serviços e estabelecimentos comerciais seguiram em funcionamento com poucas restrições. É evidente que as condições sociais, sanitárias e financeiras são outras, mas a economia de lá, mesmo não tendo parado como a de seus vizinhos, também irá enfrentar, assim como qualquer outro país do mundo, crise e retrocesso econômico, projetando uma queda de 10% em seu PIB este ano16. Além disso, o governo sueco fracassou numa infeliz tentativa de alcançar a imunidade de grupo, ou efeito rebanho, buscando imunizar a maior parte da população através do contato direto com o vírus, confirmando que não existe benefício algum senão o genocídio da sua própria população com a maior taxa de mortalidade por covid-19 do mundo17.

Existem também bons exemplos de como enfrentar esta crise de forma minimamente responsável: A prefeitura de Niterói, no Rio de Janeiro, vem assegurando uma boa parcela da folha de pagamento dos empregados de pequenas e médias empresas e disponibilizando crédito para as mesmas, a fim de que os trabalhadores e empresários tenham condições de aderir ao isolamento social.5

Países e regiões com o melhor desempenho no combate ao vírus não adotaram flexibilização até que tivessem rastreado os vetores de transmissão, cessado com a transmissão comunitária, barrado a transmissão importada18, realizado minimamente testes na proporção de 1 a cada 100 habitantes19 e atingindo um nível de transmissão menor que 1 (fator R) com uma projeção linear continuamente controlada e não mais geométrica20. Os governos federal e estaduais ainda não tomaram medida alguma, de fato, como um plano de ação de combate à pandemia para poder começar a efetuar essas ações de flexibilização de forma segura, considerando que o nível de transmissão no Brasil vem se mostrando maior em relação a outros países21, sendo o novo epicentro22.

Como um governador que permite que uma agropecuária/petshop realize testes, sem jamais ter tido experiência com testes clínicos11, pode servir de referência?! Pois é! Vale lembrar também que o transporte público está entre os locais de maiores níveis de difusão do novo coronavírus, atrás apenas de hospitais12. Simplesmente parece que esquecem que estamos com transmissão comunitária ou realmente querem um genocídio da população mais vulnerável, testando quem são os mais fortes e abastados, apresentando semelhança a planos eugenistas, só que agora com uma arma biológica.

Num primeiro momento, os políticos brasileiros que defendem o fim do isolamento ou uma flexibilização negligente em meio a uma transmissão comunitária descontrolada acreditam que estarão se beneficiando politicamente, numa promoção de suas imagens, num curto período de tempo, para fins eleitorais, quando na verdade estão dando um tiro no próprio pé. Afinal, os casos de internação (com ou sem covid-19) por síndromes respiratórias agudas graves aumentam durante o inverno e mais ainda com a baixa umidade relativa do ar13, que podem vir a aumentar também no continente todo devido ao aumento do desmatamento da floresta amazônica, que impacta na umidade relativa do ar e nas massas de ar úmido, responsável pelas chuvas em todo continente14. Além disso, existe pressão por parte do governo federal de dizer que só irá ajudar financeiramente os governos estaduais que acabarem com o isolamento ou tomarem medidas de grandes flexibilizações15.

É preciso compreender que os números de óbitos e casos que foram notificados hoje são de dias atrás. Então, quando estamos olhando o número total de óbitos, não é a real situação do momento, mas referente a uma ou duas semanas atrás por causa da demora nos testes. Por ser um vírus de proliferação exponencial, o número de casos que temos hoje é, consequentemente, a metade do número de casos que teremos amanhã. Tendo em vista que há um baixo nível de adesão ao isolamento social pela população, o mesmo se torna insuficiente para combater a propagação do vírus. O tempo médio para termos os resultados de exames de covid-19 é o mesmo que leva uma pessoa para ser internada por covid-19 e ir a óbito na UTI, já que os testes rápidos tem uma margem de erro considerável, ocasionando um grande número de falsos negativos23. Ou seja, levando todos esses fatos em consideração, pode-se concluir que, hoje, não temos os números reais de casos confirmados24.

O pior é acreditar no ouro de tolo, em medicamentos milagrosos, sem comprovação científica alguma e com contra-indicações25, ou numa vacina eficaz desenvolvida num curto prazo de tempo, o que é impossível26 e 27. Muitos torcem com as descobertas da ciência, mas negligenciam os fatos científicos e as medidas sugeridas pela ciência. Cabe de novo reforçar: é melhor prevenir do que remediar, sempre, sendo mais fácil de apagar um incêndio no seu início, quando apresenta um foco pequeno, do que depois que o fogo já se espalhou, estando prestes a acontecer uma explosão generalizada súbita. Sendo assim, qualquer promessa de que haverá uma vacina até setembro é no mínimo perigosa, ilusória, cruel e insensata. Vale lembrar, como apontou o The New York Times há algumas semanas, que existem fortes indícios de que a cloroquina só se tornou tão notória assim devido ao fato de um dos principais financiadores da campanha de Donald Trump ser um considerável acionista de um dos maiores laboratórios farmacêuticos que produzem esse medicamento na Europa30.

Para termos uma noção, essa tão cobiçada vacina estadunidense divulgada no dia 18 de maio, teve 8 das 45 cobaias humanas com resultados minimamente satisfatórios28, e até então nenhum artigo científico, ou sequer uma prévia, foi lançado pela equipe do laboratório, o que oficializaria esta suposta descoberta, como de praxe. A única divulgação feita foi por meio da mídia tradicional, o que não foi muito bem visto pela comunidade científica, gerando uma certa desconfiança a respeito. Talvez essa vacina só tenha sido divulgada pela mídia para influenciar no mercado de ações, sobretudo visto que o CEO do laboratório tem tido influência na força-tarefa da casa branca em combate à pandemia29.

Conforme uma fonte, hackerativista e mídia ativista de confiança,, que ajudou o autor do artigo, publicando no Baguete Diário, de como a cloroquina se tornou o cavalo de batalha do governo brasileiro e estadounidense, devido a um retweet inocente do CEO da Tesla, Elon Musk, grande entusiasta e investidor de ciência, de um artigo falsificado por 3 investidores de criptoativos, que chegou ao alcance de muitos políticos como Trump e seus amigos31. Vemos que tudo se trata de uma grande manipulação de ações do mercado financeiro, se realmente essa tão prometida vacina existir e for eficaz, ainda levará pelo menos 12 meses para começar sua produção em escala mundial, após seguir todos os protocolos internacionais32. O pior de todos os vírus é a ganância dos mais ricos que lucram com a desgraça alheia33.

Só o isolamento social disciplinado e sem flexibilizações feito de forma rígida poderá vencer essa luta contra a pandemia para acabar de vez com o isolamento social, depois de um período determinado, assim podendo acontecer a retomada das atividades de forma segura, quando a volta à normalidade deve se dar de forma gradual34. Mortos e doentes não trabalham para recuperar a economia; pessoas com receio da doença não saem para passear e consumir coisas supérfluas, o que aqueceria o mercado. Quanto maior a flexibilização do isolamento social, ou menor a adesão a ele, mais pessoas morrerão, e com o avanço da pandemia, o distanciamento será necessário por mais tempo, agravando a crise generalizada que atravessamos. Tudo é política, inclusive o silêncio conivente disfarçado de neutralidade.

Referências:

1 – https://br.noticias.yahoo.com/governo-federal-coronavirus-slogan-nazista-171906679.html