08 de dezembro de 2017, Bruno Lima Rocha
O Brasil, infelizmente, não está isento da evasão de divisas. No ranking de 2012, nosso país ocupava a vergonhosa de quarto maior volume de depósitos no exterior. Assim, em tese, teríamos a resgatar cerca de 28% do PIB em estoque, um montante ao redor de R$ 570 bilhões de reais. Ou seja, um a cada quatro reais que circulariam aqui deixaram de alimentar a economia real, não geram nem emprego vivo e tampouco carga tributária par ser disputada através de políticas públicas. Estes valores estão em “jurisdições especiais”, também conhecidos como “paraísos fiscais” e operam no limite da legalidade. Por mais amoral e indigno, não se poderia – formalmente – acusar de crime sem as provas materiais do ato criminal, sob o risco de ter de responder a um processo milionário, com severos danos ao modesto patrimônio de quem acusa. Os agredidos – supostamente – estariam indignados com a “desconfiança”. Então, sem “acusar”, constato o óbvio nas evidências subsequentes, diante da última revelação dos depósitos de autoridades e bilionários no estrangeiro.
A queda de receita é visível, sendo que a carga tributária, mesmo no “centro do sistema” termina recaindo sobre salário e consumo, incidindo em cascata em assalariados e aposentados, sendo provável a evasão fiscal e envio de recursos de forma suspeita mesmo na União Europeia, revelado em outro “escândalo”, este dos Lux Leaks, sendo que a PricewaterhouseCoopersa a principal operadora da fraude. Os bilionários e suas empresas matrizes, do “norte hegemônico” e no eixo anglo-saxão (EUA e aliados) cometem permanente evasão fiscal e de divisas, utilizando o mecanismo de empresas offshore.
A Ilha de Bermuda (gov.bm) é um território ultramarino britânico, e, embora tenha certo estatuto de autonomia, obedece às regras do gabinete da primeira ministra e pode sofrer intervenção do governo londrino. É considerada uma “jurisdição especial” do Reino Unido, dependente no quesito de defesa e relações externas, além de operar como uma lavanderia do império. As revelações contidas nos chamados Paradise Papers – uma dentre várias oriundas. A chave de interpretação desta nova “revelação” é a presença de um advogado e ex-oficial do império britânico, Reginald Appleby, que abriu um escritório legal na ilha de Bermuda, onde o mesmo era visto como autoridade máxima. Pode-se compreender que a empresa Appleby (applebyglobal.com) como Transnacional (TNC) de serviços financeiros acompanhou a expansão da chamada “indústria offshore” e opera em uma teia de com mais de 60 escritórios afins coligados, tem mais de 470 profissionais legais – especializados, obviamente, em direito tributário internacional e as arriscadas operações daí decorrentes – estando em dez sedes físicas, todas “paraísos fiscais”. Sua matriz global é em Bermuda, mas tem escritórios nas Ilhas Virgens Britânicas, Cayman, Guernsey, Hong Kong, Ilha de Man, Jersey, Mauritius, Seychelles e Shanghai.
Os Paradise Papers, esforço investigativo vazado através do Consórcio Internacional de Jornalistas (icij.org), são parte dos Offshore Leaks Database, coletando mais de 500 mil pessoas jurídicas reveladas nos Panama Papers e Bahamas Leaks (2016), Offshore Leaks (2013) sem contar investigações regulares. No vazamento da Appleby Bahamas surgem três figuras proeminentes no Brasil: os ministros da Fazenda Henrique Meirelles e da Agricultura Blairo Maggi, além do mais rico brasileiro no planeta, Jorge Paulo Lemann e seus sócios, Marcel Telles e Beto Sicupira, controladores da 3G Capital. De forma cruzada, a 3G – que pertence aos homens que ocupam as posições 1º, 3º e 4º maiores bilionários do país – tem participação em mais vinte empresas localizadas em paraísos fiscais da região, além de Bermudas, Cayman e Bahamas. É interessante observar que no site oficial (3g-capital.com) a empresa tem sedes físicas em Nova York, Rio de Janeiro e São Paulo, e não nas ilhas acima citadas. No portal bermuda-online.org é possível localizar centenas de empresas com sedes offshore na ilha e também os “líderes mundiais” com contas abertas naquela jurisdição.
Os números de nacionais não são proporcionais aos nomes descobertos. Ao contrário do volume de contas de brasileiros encontradas no Swiss Leaks (HSBC Suíça, revelados em 2015), constavam 6606 contas secretas de brasileiros no país; no Panama Papers (revelações da empresa Mossack Fonseca – mosfon.com – em 2015) localizaram 1707 beneficiários. Antes dessas duas revelações, era comum surgirem depósitos no exterior a cada escândalo ou investigação federal, como na CPI do Senado investigando o Sistema Financeiro nacional e o favorecimento com informações privilegiadas aos maiores especuladores (físicos e jurídicos) sendo alertados da desvalorização do real diante do dólar. Na ocasião foram punidos os bancos de investimento Marka (presidido por Salvatore Cacciola) e FonteCindam (presidente Luiz Antônio Gonçalves), sendo que o primeiro detinha contas e empresas de tipo “offshore-onshore” no Uruguai. As duas instituições financeiras acima foram as únicas a sofrer penalidades, mas a CPI apurou a atuação de outras afins e tomadores de decisão de ambos os lados do balcão (empresas e Estado). Esta complementaridade, onde o ministro atual era o banqueiro ou o CEO de ontem e poderá vir a ser o gerente do hedge fund ou diretor de organismos internacionais de amanhã materializa tanto a teoria das portas giratórias na formação de uma elite dirigente brasileira transnacionalizada como também exemplifica a captura do Estado por interesses privados, e especificamente financeiros e especulativos.
A elite financeira e dirigente dos bancos, fundos de investimentos e infelizmente, também da autoridade monetária nacional, não formam a exceção e sim uma regra em escala mundo. Com maior ou menor intensidade, assim como o sistema financeiro inverte sua concepção lógica – fornecer créditos, poupança interna e garantias produtivas – e drena recursos para um ganho de rentabilidade muito superior ao da economia real, o mesmo ocorre quando estes indivíduos e suas empresas, assim como as Transnacionais de controle parcialmente pulverizado – com capital aberto em alguns países – operam com holdings e trustes localizados em “jurisdições especiais”.
Se até os anos ’80 do século XX uma das grandes reclamações na América Latina (e no Brasil em específico) além da estagflação e a dívida externa era a absurda remessa de lucros pouco ou nada tributada para as matrizes das TNCs; hoje o quadro é ainda mais assustador.
Bruno Lima Rocha é professor de ciência política e de relações internacionais (www.estrategiaeanalise.com.br para textos e áudios / www.estrategiaeanaliseblog.com para vídeos e entrevistas / blimarocha@gmail.com para E-mail e Facebook)