“Eu sei que ele não é santo!” – O sofrimento das mulheres solidárias aos encarcerados

Texto de Opinião 

A dor que esquecemos: a impessoalidade da pena e o sofrimento das mulheres

“A pena do condenado não poderá passar da pessoa do condenado” é um brocado que exemplifica um dos princípios penais mais básicos do nosso ordenamento jurídico penal.

O poder estatal de cerceamento de liberdade está diretamente condicionado à aplicação da pena àqueles indivíduos cujas condutas lesionaram bens jurídicos que o legislador elencou “proteger”. O objetivo neste texto não é discorrer sobre a falta de legitimidade do sistema penal brasileiro ou a sua seletividade. Vou falar é de sua extensão mais sádica: impor sofrimento àqueles que não cometeram delitos.

Estou falando daquelas mulheres solidárias aos encarcerados do Brasil.

Mulheres que pedem perdão por tudo e se sentem um incômodo dentro das instituições burguesas.

Mulheres que apresentam unhas comidas pelo próprio desespero, e que desistiram de disfarçá-las com esmalte.

Mães que trazem certidões de nascimento amareladas e deterioradas pelo tempo, que guardavam com muito amor e carinho.

Grávidas que carregam no ventre órfãos de pais.

Mulheres que trocariam de lugar com seus parentes reclusos para lhes poupar sofrimento.

Mulheres que têm de passar por revistas vexatórias.

Mulheres julgadas moralmente por manterem relacionamento com os reclusos.

Mulheres que são constrangidas por magistrados e promotores que quase sempre duvidam de suas palavras, ameaçando a todo momento um processo por falso testemunho.

Meninas cuja vaidade já sucumbiu há tempo.

Mulheres que saem e voltam para casa com o choro entalado na garganta.

Mulheres que compartilham a mesma pena junto com os condenados.

Aqueles profissionais que lidam diariamente com o direito penal e com o sistema carcerário sabem que o preso não é o único a cumprir a sua pena.

Por trás de cada pessoa dentro do sistema penitenciário brasileiro, existe uma ou mais mulheres que sofrem as agruras da exclusão fora das celas. Companheiras, mães, irmãs, avós, tias, primas, madrinhas, sobrinhas, e toda a gama de possíveis vínculos afetivos, formam essa uma imensa massa de vítimas do imenso e capilarizado sistema penal brasileiro.

O Brasil é uma máquina de moer pobre e de gerar sofrimento.

Lucas Kieling Bublitz, graduando em Direito pela UFRGS