“Disseram que tem que botar as casas abaixo porque tem que passar uma rua muito bonita aqui”. “Porque eu não tenho direito?” “Porque eu estou sendo discriminado?” “Qual é o prefeito ou vereador que conhece casa de pobre?” “Porque a gente tem que sair enquanto outros ficam?”
Essas são algumas das perguntas que os moradores da comunidade da Estrada do Engenho, em Pelotas, buscam responder.
A comunidade, situada entre o Veleiro Saldanha da Gama e o Engenho Osório, está ameaçada de remoção. Estas ameaças estão no centro de um processo maior de mercantilização da vida e gentrificação de Pelotas pelas construtoras e incorporadoras locais, que contam com o apoio do poder público municipal e tentam elitizar a cidade em detrimento da exclusão das pessoas.
A ocupação
A chegada dos primeiros moradores no corredor da Estrada do Engenho ocorre há mais de 30 anos, mas nos últimos 10 anos houve um acréscimo significativo de pessoas que se deslocaram para a região. Hoje, ela é composta de aproximadamente sessenta famílias. Em sua maioria pescadores e catadores, o sustento de suas famílias depende de ter o trabalho facilitado com a proximidade ao Canal São Gonçalo e o rápido deslocamento às ruas centrais. A mobilidade dessas famílias em situação de vulnerabilidade para a região está articulada com a ineficiência de políticas públicas de moradia.
O processo
Como aumento da população o Ministério Público começa a investigar essas áreas, e a partir de 2014 começam os processos e estudos visando remover essa população de lá. Há uma ação civil pública que tramita na 4º Vara Civil de Pelotas onde o MP move inquérito contra a Prefeitura de Pelotas, acusando a mesma de não fiscalizar a área e acusando essas pessoas de causar danos ambientais e de estarem em uma área de risco.
Ou seja, um processo entre partes (MP e Prefeitura) onde quem recebe a punição são as famílias que serão removidas, e que jamais foram ouvidas. No processo, a Prefeitura e o MP assinaram um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), no qual a prefeitura se compromete em transferir as pessoas do local até novembro deste ano.
A primeira Audiência Pública sobre a questão abriu uma série de questionamentos quanto a legitimidade do processo, que quando analisado a luz da legislação local em vigor (Plano Diretor), desvela o jogo de interesses do caso e a verdadeira face desta injusta remoção.
O Plano Diretor
O atual Plano Diretor, de 2008, contém artigos que respaldariam a permanência dessas pessoas no local, sobretudo no que se referem às APP’s ocupadas, projetos urbanísticos e regulamentação fundiária. Se o Plano estivesse sendo observado, a área não seria de risco porque teria infraestrutura, e tampouco implicaria em danos ambientais, porque haveria saneamento básico. A grande questão é que o poder público municipal não cumpriu a legislação e agora quer remover as famílias. Com infraestrutura não haveria motivos para a remoção.
Essa legislação deve ser revisada a cada dez anos através do CONPLAD (Conselho do Plano Diretor), órgão que vai regulamentar e propor as alterações no plano, e essa revisão deveria ocorrer de maneira participativa e popular. Ocorre que este é um Conselho ilegítimo e cooptado por interesses privados, que não respeita a instancia da sociedade civil. O CONPLAD vem sendo denunciado pelo movimento MUDA CONPLAD por uma série de irregularidades em sua atuação.
O CONPLAD, dessa forma, não representa os interesses da maioria da população de Pelotas, voltando-se ao atendimento das demandas do setor privado, principalmente o setor da construção civil e do mercado imobiliário. Nas alterações eles estão propondo justamente a revogação desses artigos que contemplariam essas pessoas em situação de vulnerabilidade. Essas alterações devem passar na Câmara de Vereadores no próximo mês, entrando em vigência em 2018.
O que fica evidente é que toda essa situação faz parte de outro jogo político e econômico que se oculta por trás disso. A região onde se encontram essas famílias é uma região com muitos vazios urbanos, que servem para a especulação imobiliária. A lógica que está posta é que são terrenos aguardando a infraestrutura urbana para o desenvolvimento de grandes empreendimentos. A lógica perversa é que a prefeitura aguarda a remoção dessas pessoas para promover o desenvolvimento visando à especulação imobiliária.
A luta
O conflito de interesses está posto. A comunidade da Estrada do Engenho começa a articular um processo de resistência, com o apoio de segmentos ligados à questão urbana como o Grupo de Estudo e Pesquisa em Questões Agrárias, Urbanas e Ambientais da UCPel, o Observatório de Conflitos da Cidade – que reúne grupos de estudo, pesquisa e extensão da UCPel e UFPel -, o Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo João do Bem (EMAU UFPel), o Serviço de Assistência Judiciária da UCPel, e o Núcleo de Estudo Latino América da UCPel.
A prefeitura trabalha na remoção das famílias sem nenhum diálogo e sem consideração nenhuma pelo modo de vida dessas pessoas. Desconsidera completamente a vinculação da atividade de trabalho com o local de moradia. Um lote ou uma casa pode contemplar famílias que possuem animais, charretes, embarcações, que necessitam de acesso ao canal? Isso sem mencionar os impactos nas relações de sociabilidade e nos laços comunitários, que seriam destruídos num processo de remoção.
Não bastasse isso, a prefeitura tem pressionado os moradores a não participar das audiências públicas, têm tentado dividir os moradores dando informações falsas, diferentes e incertas, tem orientado os moradores a não falar com outras pessoas envolvidas na luta por moradia digna. O poder público tem pressionado e ameaçado os moradores a não resistirem!
“Mas nós queremos escolher o tijolo!”, diz o seu Fábio, numa metáfora perfeita de quem diz que não aceita não participar desse processo, de quem defende a sua casa, de quem afirma que tem direito, de quem resiste.
O que está acontecendo com a comunidade da Estrada do Engenho é mais um ataque ao direito a moradia e ao direito humano fundamental ao trabalho. São muitas lutas em uma: a denúncia das alterações no Plano Diretor, o não cumprimento da legislação, o descaso do poder público, a voracidade da especulação imobiliária, a luta pela permanência dessas famílias, pela garantia de moradia e trabalho.
“Eles querem nos levar até o limite. Mal sabem eles que nós já vivemos no limite”, diz o seu Toni. Porque basta de cidades com espaços públicos pensados a serviço do capital privado. Basta de criminalização da pobreza e exclusão social. Basta de cidades planejadas e violentadas pelos interesses das construtoras. E por direitos, por uma cidade mais humana, a comunidade da Estrada do Engenho Resiste!!
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