“Essencial é a vida”: a greve na educação municipal de Florianópolis

No dia 23 de março de 2021, as UTIs da Grande Florianópolis estavam com 99% de ocupação. Havia uma fila de espera para vagas no estado de Santa Catarina de mais de 300 pacientes. Em março deste ano, morreram mais pessoas de covid em Florianópolis do quem em todo 2020. Foram quase 200 pessoas que morreram no estado na fila de espera por UTIs nesse mês.

Essas eram as condições da pandemia sob as quais o retorno às aulas presenciais estava imposto na rede municipal de Florianópolis. Em pleno colapso da saúde e ascenso dos casos na cidade, ela contou apenas com medidas ínfimas. A principal foi o chamado lockdown parcial, que durou de 15 de março a 23 de março, onde todo comércio e serviço não essencial deveria fechar às 18 horas e todos os níveis de ensino deveriam realizar suas atividades de forma não presencial. 

Os trabalhadores da educação da rede municipal de Florianópolis, a partir de seu sindicato, Sintrasem, reuniram-se em assembleia virtual com mais de 1000 participantes e decidiram lutar contra o retorno às aulas presenciais sem segurança sanitária. Os trabalhadores votaram pela deliberação da greve em assembleia no dia 19 de março e novamente no dia 24. Com isso, todos os trabalhos foram interrompidos, mesmo os de ensino remoto.

Neste momento, mais de 70% dos trabalhadores da educação do município aderiu à greve. Desde o ano passado, os trabalhadores vêm lutando por condições seguras para o retorno às unidades escolares. Em assembleia de outubro de 2020, foram aprovadas as seguintes exigências para esse retorno:

  • Redução da taxa de contaminação comunitária para menos de 1,0 por, pelo menos, 8 semanas consecutivas;
  • Testes em massa em toda comunidade escolar;
  • Normas de biossegurança com revisão e reformulação do protocolo apresentado, para incluir os pontos que a categoria considera essenciais;
  • Condições estruturais para adaptar as unidades à nova realidade sanitária e finalização das  unidades em obras até o retorno presencial;
  • Ampliação das equipes de trabalho (chamamento de concurso e contratação de temporários);
  • Vacina de acesso público e universal.
Arte da professora Flavya K., criada como parte da campanha de produções artísticas de estudantes e trabalhadoras da EBM Albertina Madalena Dias.

Enquanto isso, o prefeito manteve a propaganda de bom gestor da pandemia enquanto a cidade estava em colapso. No início da pandemia, em 2020, o prefeito Gean Loureiro foi refêrencia no combate à pandemia a partir de medidas restritivas. Mas após sua reeleição não houve mais medidas de grande impacto, mesmo durante o verão em que as praias da Capital registraram diversas aglomerações. No fim de fevereiro de 2021, quando a taxa de ocupação de leitos de UTI em Florianópolis já estava em 96,23%, Gean Loureiro tirou férias secretamente em Cancún. Seu retorno à cidade foi às pressas, depois da divulgação pela mídia de sua viagem internacional em pleno colapso da saúde.

As medidas restritivas de 2021, que duraram apenas uma semana em meados de março, não tiveram impacto suficiente para diminuir o número de casos e o colapso da saúde. O número de infectados continuou a crescer e, em pesquisa divulgada pela Fiocruz no início de abril, Florianópolis era a capital com a duplicação mais rápida de casos de Covid-19, tendo dobrado o número de infectados nos últimos 66 dias.

A vacinação também ocorre a passos lentos, como em todo o país. Apesar da intensa propaganda que o prefeito faz em suas redes sociais, como presidente do Consórcio Nacional das cidades brasileiras para compra de vacinas, ainda não há nenhuma compra efetivada. O mesmo cabe para a vacinação dos trabalhadores da educação da rede estadual. Apesar da Secretária de Estado da Educação de Santa Catarina ter apresentado um plano de vacinação que se inicia pelos profissionais da educação infantil, ainda não há data concreta para seu início. Outros estados do país já iniciaram a vacinação de professores, como Espírito Santo e São Paulo. Em Salvador, a vacinação dos professores se inicia esta semana, antes do retorno às aulas presenciais.

Arte de Davi Lucas, criada como parte da campanha de produções artísticas de estudantes e trabalhadoras da EBM Albertina Madalena Dias.

Condições das escolas municipais

A realidade das escolas da rede também é muito diferente daquela que o prefeito Gean Loureiro e seu Secretário de Educação, Maurício Fernandes Pereira, relatam. Com mais de um ano de escolas fechadas, nenhuma reforma ou adaptação foi feita para preparar esse retorno com segurança. Há casos de escolas que tiveram vários danos estruturais, como o caso da EBM Paulo Fontes, no bairro Santo Antônio de Lisboa, que sofreu diversos estragos com a passagem de um ciclone em setembro de 2020. Nenhuma reforma foi feita e a escola segue sofrendo alagamentos quando chove.

Apesar dos Planos de Contigências (Plancon) formulados por cada unidade escolar e aprovados pela Secretaria de Educação, até meados de abril nem os equipamentos individuais de segurança haviam chegado, como máscaras e álcool 70%. Se não fosse pela greve, as escolas já teriam retornado presencialmente nestas condições. No caso das necessárias adequações estruturais aprovadas nos Plancons, nenhuma reforma foi realizada.

Meme de denúncia realizado por trabalhadores em greve na EBM Vírgílio Varzea. A adequação de mais uma entrada na escola está no Plancon aprovado pela prefeitura, mas não foi feita.

O caso da EBM Albertina Madalena Dias, no bairro Vargem Grande, é simbólico para perceber o descaso da prefeitura para com trabalhadores e estudantes. O prédio da escola é antigo e sua última reforma foi em 2001. Nesses 20 anos a escola também aumentou seu número de matrículas e atualmente atende mais de 700 estudantes. Em 2017, a área da Educação Infantil foi interditada pela Defesa Civil. Foi a partir desse momento, e com a organização de professores e familiares que um projeto de reforma estrutural foi realizado. Em 2018, o projeto foi aprovado pelos arquitetos e engenheiros da Prefeitura, com a promessa de que seria enviado para licitação até agosto de 2019. Até hoje, um ano e meio depois, a licitação não foi feita, mesmo após um um ano de ensino remoto.

Devido às condições atuais da unidade escolar, todas as salas de aula do térreo estão impróprias para o uso por falta de ventilação. Esse descaso completo gerou indignação em toda a comunidade escolar, que produziu um vídeo denúncia da situação.

Mortes

Trabalhadoras e trabalhadores da educação do município, mesmo em greve desde o início do retorno presencial, já contabilizam seus mortos por covid-19. O diretor do NEIM Maria Salomé, no bairro Sambaqui, Geraldo Ziegler Valadares, faleceu após passar 15 dias na UTI. Geraldo contraiu o coronavírus em uma reunião pedagógica presencial que deixou mais 18 contaminados. Antes da obrigatoriedade do retorno presencial, a Secretaria de Educação do município já havia permitido a realização de reuniões pedagógicas presenciais.

Infelizmente outro falecimento ocorreu no dia 16 de abril. O NEIM Antonieta de Barros, em Coqueiros, não aderiu totalmente à greve e iniciou os atendimentos às crianças. Algumas trabalhadoras da educação se infectaram e Janaina Cunha, professora auxiliar, veio a falecer no dia 16 de abril em decorrência da covid-19.

Foto: Sintrasem.

Autoritarismo da Prefeitura

Diante deste quadro terrível de mortes e falta de segurança, chama ainda mais atenção que a Prefeitura de Florianópolis, nas figuras do prefeito Gean Loureiro e do Secretário de Educação Maurício Pereira, se recuse a dialogar com a categoria em greve. Mesmo após 4 semanas de greve e com o Judiciário mantendo a legalidade da luta dos trabalhadores, a prefeitura ainda não abriu uma mesa de negociação.

Já aconteceram duas audiências de conciliação no Tribunal de Justiça. Na primeira delas, dia 12 de abril, o desembargador do TJ-SC, Vilson Fontana, da 5ª Câmara de Direito Público, revogou a decisão liminar anterior que tornava ilegal a greve. Também determinou que a Prefeitura entregue à Justiça os Planos de Contingência (Plancons) de todas as unidades de educação. Nessa audiência não esteve presente nenhum secretário da prefeitura, apenas o procurador geral do município, Rafael Poletto dos Santos, que inclusive chegou a sugerir a prisão dos dirigentes do Sintrasem, numa clara postura anti-sindical.

Uma nova audiência de conciliação foi marcada para o dia 19, na tentativa de abrir o diálogo entre sindicato e prefeitura, já que havia sido reconhecida a legalidade da greve. Nessa audiência a prefeitura também não compareceu na figura do prefeito Gean, nem do secretariado, enviando novamente apenas o procurador geral do município. O próprio desembargador propôs um acordo sugerindo a manutenção do ensino remoto e a atualização/revisão dos Plancons. Os representantes do sindicato se comprometeram a levar a proposta para avaliação em assembleia. No entanto, o procurador manteve a insistência na defesa de que não negocia com a categoria em greve.

A luta dos e das trabalhadoras da educação

Essa recusa a dialogar com o sindicato escancara o autoritarismo e a prática anti-sindical do governo Gean Loureiro. Foi com base nessa realidade da ausência de diálogo que os trabalhadores da educação, em assembleia na terça-feira passada (20), decidiram por realizar um ato no centro da cidade. O ato, organizado com distanciamento social e máscaras, contou com a participação de mais de 1000 trabalhadores da educação e teve como intuitos dialogar com a comunidade sobre os motivos da greve e pressionar o governo para negociação com a categoria.

Foto: Sintrasem.

O ato foi de extrema importância para visibilizar a greve e sua pauta na cidade. O diálogo com as famílias está sendo feito em todas as unidades de educação, porém na caminhada pelo centro da cidade a população geral também tomou conhecimento das demandas e da necessidade da prefeitura negociar com a categoria. A direção do Sintrasem avaliou como positivo o ato, pois mostrou a força da categoria nas ruas e pode pressionar para abrir uma negociação com a prefeitura.

A greve dos trabalhadores da educação municipal de Florianópolis demonstra a importância da luta coletiva em tempos de pandemia e como é possível fazer movimentos políticos com segurança sanitária e enfrentamento. É através da ação coletiva dos trabalhadores que se busca abrir uma mesa de negociação com uma pauta única: a segurança sanitária para o retorno presencial. O lema “Essencial é a vida” também nos lembra que, ao contrário dos projetos de lei para tornar a educação uma atividade essencial, mero pretexto para garantir as aulas presenciais a qualquer custo, a segurança e a vida de toda a comunidade escolar é que devem ser sempre a prioridade.