Por Mariana Gonçalves. Estudante de ciências sociais na UFRGS, trabalhadora terceirizada e militante do movimento negro.
Como é de conhecimento da maioria da população gaúcha, no dia 25 de outubro de 2017 foi deflagrada pela 1ª Delegacia de Polícia Civil de Porto Alegre, a Operação Érebo, responsável pelo cumprimento de mandado de busca e apreensão em 10 locais, elencados pela investigação como pontos de organização e articulação de indivíduos anarquistas que supostamente praticavam ataques contra sedes de partidos políticos, viaturas da polícia, bancos, igrejas.
Notadamente, tal operação foi orquestrada em conjunto com o canal midiático que possui o maior alcance territorial não só no Rio Grande do Sul, mas também no Brasil, sendo este, a RBS TV afiliada da Rede Globo. Não há dúvidas que para além da participação dos policiais civis, – servidores públicos estaduais que vivem num perceptível contexto de retirada de seus direitos trabalhistas – os jornalistas Cid Martins, Fábio Almeida e Jonas Campos, colaboradores do Jornal Zero Hora (Grupo RBS), foram peças chave para a espetacularização das notícias veiculadas sobre a operação. O Grupo RBS é colocado como parte de tal operação, pois basta jogar na plataforma Google a busca por algumas palavras chave como: “anarquismo, operação e polícia civil”, e logo se percebe que, aqueles links de mídia independente que não estão denunciando o fato, estão “relatando” a operação nos mínimos detalhes. Sendo estes links levados aos sítios eletrônicos: G1 Globo, Gaúcha ZH, Zero Hora.
No dia 29 de outubro de 2017, o Fantástico – programa veiculado aos domingos no final do dia, em que a maioria das famílias brasileiras ficam atentas ao “show da vida”, dando tanta atenção quanto aquela prestada as novelas das nove em dias de semana – veicula “com exclusividade” ações de grupos no Rio Grande do Sul que seriam supostamente responsáveis por cerca de 11 ataques contra tudo o que já foi citado no início do texto. E mais uma vez, o que mais chama atenção são as imagens de câmeras de prédios “atacados” pelo grupo, câmeras de vias públicas, imagens do momento que estavam deflagrando a operação, bem como entrevistas que foram realizadas antes mesmo da operação acontecer, e o que é pior, o enquadro desses indivíduos como “terroristas” mesmo sem os procedimentos legais de condenação via processo judicial. Ainda que a imprensa possua prerrogativas para acompanhamento de operações policiais, no sentido de informar a população para o interesse público no que concerne à segurança pública, vale lembrar que tais notícias como estão sendo veiculadas, ferem inúmeras cláusulas previstas no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Possibilitando colocar em questão, o verdadeiro papel da imprensa brasileira e os seus interesses.Não há muito o que se chocar, diante do histórico da empresa de comunicação que presta um desserviço à população brasileira, muito mais desinformando do que informando nosso povo. Jamais esqueçamos que a Rede Globo foi parte do Golpe Midiático-Civil-Militar em 1964!
Partindo para uma visão mais geral e uma projeção do que pode estar por trás de tal operação, suas motivações e desdobramentos, é importante enfatizar que o Rio Grande do Sul possui uma história muito bem consolidada de lutas pelos direitos dos trabalhadores do Brasil inteiro, podendo ser considerado uma vanguarda (no seu glorioso sentido) no que se refere à luta pela emancipação social frente ao autoritarismo dos de cima. Há décadas provoca o sentimento de mobilização que resulta em levantes e reivindicações populares por todo o Brasil. Como em 1917, a importante participação na consolidação da primeira Greve Geral no país; em 1971, o Grupo Palmares responsável pela reivindicação da memória do dia da morte de Zumbi dos Palmares – 20 de novembro – como principal marco da luta dos negros em contraposição ao dia da falsa abolição da escravidão e o exemplo mais recente que temos, que seriam, os protestos de junho de 2013.
Começa no final de março de 2013, em Porto Alegre, com a prisão de uma militante no interior da Prefeitura Municipal durante uma manifestação contra o aumento da passagem, onde mais de mil pessoas se revoltam com a situação, permanecendo mobilizadas em frente ao Palácio da Polícia e só dão fim à manifestação após a liberdade da estudante. Dias depois, já em abril, a mobilização quadriplica e a revogação do aumento é conquistada com a força das ruas! Logo após esse episódio de luta, eclode pelo país inteiro uma série de manifestações em defesa da qualidade do transporte público nas grandes capitais, mais tarde passando abranger outras pautas questionando na época, o modelo de governo vigente que se mascarava no “Estado Democrático de Direito” para exercer a política de conciliação de classe. O Estado reivindicado pelos mesmos políticos que votam no congresso, projetos de lei que só prejudicam o trabalhador, sem o consentimento da população, blindados pela farsa da democracia representativa presente hoje no Brasil.
Se engana quem pensa que o voto é a possibilidade de protesto. E quem está no poder tem plena consciência disso! Por isso, a possibilidade de um levante popular como o que aconteceu em 2013, ameaça o status quo dos políticos e seus aliados (incluindo-se a mídia hegemônica) passando os poderosos, para a investida na repressão e criminalização dos que se que colocam em luta. Para evitar que um processo parecido com o de 2013 ocorra novamente, o Estado repressivo e antidemocrático, juntamente com a mídia começam a dar o tom do que podemos esperar. O que acontece no RS pode ser interpretado como um recado à TODAS as organizações e partidos do país que ainda se mantém ideologicamente à esquerda. Caso esse episódio não seja minuciosamente observado, poderá incorrer na repetição da história de perseguição dos movimentos sociais, sob sua face mais obscura.
2018 é ano de (farsa da) eleição burguesa, para aqueles que estão preocupados com as candidaturas, olhem bem ao seu redor e percebam que há tempos a constituição brasileira tem sido picotada e emendada, como se fosse uma brincadeira de pré-escola onde as crianças recortam e colam figuras para montagem de seus monstrinhos, a serem expostos no corredor do colégio. A diferença é que não há presunção de inocência no ato de recortar e colar a constituição, mas sim uma prática escrachada de manter as estruturas desiguais. Bem assim, como elas são. Diante disso, não nos iludamos com a possibilidade de eleições em 2018… pode ser perda de tempo!
Hoje é o anarquismo que está sendo criminalizado, amanhã será o comunismo, socialismo, sindicalismo e qualquer outra ideologia ou luta social que confronte o poder sobre as nossas vidas, concentrado na mão de poucos. Esses são ótimos precedentes para a possibilidade de todos os lutadores e lutadoras serem enquadrados como “terroristas”. Seja pela polícia, pela justiça ou pela mídia. Ainda que o maior “terror” de todos esteja sendo praticado pelo próprio Estado, a investida repressiva já começou há tempos e o cerco está fechando cada vez mais!