Dois anos da revolta social no Chile: reflexões para nosso campo político

Romantizamos a revolta do Chile?

Por Ignacio Munhoz

Hoje se cumprem dois anos desde a justa revolta social do 18 de outubro de 2019 no Chile. As mudanças que o povo pedia nas ruas, em longos dias de protesto popular por quase todo o país, foram contidas de maneira estratégica por parte dos partidos políticos tradicionais, num pacto que foi chamado de “Acordo pela paz social e uma nova constituição”.

Dito pacto foi assinado no dia 15 de novembro do 2019 e teve como maiores objetivos conter a raiva popular, salvar a cabeça do presidente e manter a credibilidade nas instituições. Em troca disso se ofertou a redação de uma nova constituição, que teria por grande missão pensar um país mais justo e que fosse o reflexo das demandas atuais da população.

Passado já o tempo desse acordo, vemos que a redação de uma nova constituição é um caminho cheio de promessas, mas carente de certezas. Motivo pelo qual se deter nele não seria oportuno para tentar entender como o Chile caminhou desde aqueles dias, ou como a raiva do povo se tornou força sísmica capaz de desestabilizar por um tempo as estruturas do sistema. O foco destas linhas é fazer a reflexão de como a revolta social, por si só, está longe de ser o pico de uma possível transformação social efetiva, se ela não vem acompanhada de um trabalho de base efetivo e real junto com o povo. De que serve pensar em se preparar para uma possível insurreição de massas se ainda estamos distantes das angústias reais da nossa gente? Se ainda uma parte de nosso campo não entende aquilo que é poder popular na prática?

O Chile explodiu e depois…?

Falar do Chile é falar do país com a versão mais radical de neoliberalismo de nosso continente, é falar de educação, saúde e previdência privada, onde a figura do Estado está atrelada a um papel de proteção da ordem institucional e do livre mercado, basicamente. A revolta foi a soma de mais de 30 anos de uma vida precária e sem direitos básicos, que somado ao pulo da catraca dos secundaristas no metro de Santiago dias antes, gerou o fogo sagrado daquele 18 de Outubro. Esperada por todos, e ainda mais pela esquerda não-eleitoral, a revolta social foi uma oportunidade de pôr a voz do povo, suas carências e demandas históricas nas ruas, sendo transmitidas em rádio e tv por mais de dois meses quase ininterruptos.

Porém, o tempo foi mostrando que a irrupção dessa raiva não foi capaz de virar um exercício de organização política na base. Além do fogo vivo daqueles dias, que se foi apagando entre a pandemia e as crises econômicas, a revolta foi se extinguindo inexoravelmente pelo desgaste natural da gente, da repressão violenta e sistemática por parte dos diferentes agentes do Estado e também pela ausência de um trabalho de base real e sistemático, que tivesse por objetivo ser o fermento para a construção de novas lutas nesse contexto.

É verdade que a revolta trouxe um ganho em relação a como as pessoas perderam o medo de levantar a voz e de como essa voz foi capaz de impor as necessidades da sociedade na pauta da discussão política institucional, porém isso ainda não resolve as necessidades do povo. A revolta social se acabou no Chile faz um tempo e, fazendo um resumo honesto, foi bem pouco o ganho político em termos de organização popular concreta que se teve, considerando toda a energia que estava alimentando aqueles dias de luta popular.

Coincidimos na análise de que o Brasil é uma bomba relógio preste a estourar (tal qual como um dia o Chile estourou), motivos sobram e a gente já os conhece. O tema é: como estamos preparados no campo da esquerda para viver uma possível revolta social? Que acúmulo de experiências reais a gente tem de construção de poder popular nos territórios? Hoje em dia essas perguntas resultam chaves para entender como podemos construir algo além da digna raiva aqui no Brasil, pois o Chile nos mostrou que a revolta social também pode ser um grande espelhismo.

Para finalizar estas linhas deixo em evidência que a ideia não é questionar as revoltas sociais e sim poder tentar refletir sobre as condições que poderiam fazer delas um motor de organização e luta popular além do calor das barricadas.

Ignacio Munhoz é imigrante Latinoamericano, pesquisador informal das lutas populares, amante dos chocolates e do Colo Colo. Serigrafista emergencial até novo aviso. Samba e rap fazem parte do seu equilíbrio espiritual. Colunas de opinião quinzenais sobre conjuntura Latinoamericana.