Não sabemos até quando estaremos em isolamento social (controlado, agora, aqui no RS). A pressão do empresariado é forte desde o início, e embora Leite e Marchezan tenham feito uma boa gestão da crise sanitária, o primeiro cedeu um dia depois de apresentar a pesquisa da UFPEL e o segundo liberou essa semana aproximadamente 150 mil trabalhadores para que voltassem ao trabalho. Também hoje (7/5) houve uma reunião no STF com o presidente da corte, Toffoli, o presidente Bolsonaro, os ministros Braga Neto e Paulo Guedes, dentre outros, creio. Ah, e o mais importante, com empresários, que estavam reunidos antes com os integrantes do governo. Na prática: imperativo para volta do comércio e para salvar empresas a despeito das vidas que foram e serão perdidas consecutivamente – até agora, sem contar subnotificação, já estamos em 8.536 mortes (mais de 8 mil pessoas, seres humanos que morrem pela covid-19, cuja responsabilidade é em boa parte do governo federal, que diminuiu desde o início a pandemia) e mais de 120 mil casos (dados de ontem, 6/5).
Bem, falemos de algo bom em meio a tantos acontecimentos trágicos: arte. Com a arte podemos suspender um pouco nosso cotidiano frenético e relaxar, aproveitar, curtir. Também é possível, claro, que pensemos ainda mais em nossa conjuntura, pois há objetos artísticos que suscitam direta ou indiretamente problemas sociais reais, plausíveis. Não sei o que esses filmes que indicarei vão suscitar nos seus futuros telespectadores e telespectadoras, mas fica a dica. Como da outra vez, vou indicar filmes disponíveis, mas dessa vez numa plataforma privada, o Netflix. Eu particularmente não gosto da plataforma, que parece mais um shopping Center da indústria cinematográfica (estamos diante de um cardápio de filmes, basicamente), mas sei que várias pessoas assistem coisas por lá, razão de ser desta lista. Seguem abaixo alguns filmes com pequenos comentários.
La La Land (Chazelle, EUA, 2016)
Damien Chazelle, o diretor, ficou conhecido mundialmente com seu grande filme Whiplash, que contava a história do músico de jazz cujo treinamento para a perfeição do som lembrava quartéis generais. Aqui, outro grande filme, é um musical (segue com muita música de jazz no filme), que já inicia com uma baita cena gravada em plano-sequência em que vemos centenas de atores em um congestionamento cantando a música-tema, salvo engano, do filme. O longa foi protagonista de uma das maiores lambanças do Oscar, quando recebeu o prêmio de melhor filme por engano, e no meio do discurso de vencedor o engano foi desfeito com o prêmio sendo entregue a Moonlight.
Com amor, Van Gogh (Kobiela e Welchman, Polônia, 2017)
Animação interessante pela composição das imagens (todas pintadas à mão antes de digitalizada para formarem o filme). A pintura, claro, é com os traços característicos de Van Gogh, pintor holandês, cuja pintura tinha curvas sinuosas e com movimento bem marcado. O filme me incomodou pela narrativa, toda uma uma cena e um flashback, é quase todo memorialístico, digamos, sempre voltando ao passado. Mas vale a pena conferir.
A viagem de Chihiro (Miyazaki, Japão, 2002)
Obra-prima das animações que vi do diretor, Miyazaki constrói, em A viagem de Chihiro, uma odisséia em um mundo fantástico e ameaçador em busca da redenção. A criança Chihiro, que perde seu nome ao entrar numa sugestiva “casa de banhos” e ter de trabalhar para reencontrar seus pais. O filme é lindo, imageticamente bonito e também com pinturas todas à mão, à exceção de uma cena, que fica a cargo de ti que vai assistir descobrir. Outro filme interessante do diretor é Totoro, também disponível na plataforma, quando vemos a ingenuidade e insegurança da criança tomarem formas metafóricas.
A chegada (Villeneuve, EUA, 2016)
Denis Villeneuve é um diretor que gosto muito. Fez grandes filmes como Sicário, Incêndios e outros. A Chegada está longe de ser o melhor filme do diretor, pelo contrário, às vezes descamba prum clichê americano facilmente detectável. Esse é um mau por que passam muitos diretores estrangeiros que passam a fazer filmes na maior indústria do mundo: Villeneuve é canadense; outros exemplos são Del Toro, Iñárritu, etc. Porém, vale a pena ver este filme, e se alinhado à filmografia do diretor, percebemos que é um filme de ocasião, feito para testar os conhecimentos de Villeneuve num filme de ficção científica (gênero que nunca tinha feito) para então gravar Blade runner, a sequência do de Ridley Scott. A chegada tem trilha sonora e enquadramentos bem interessantes, coisa que o diretor repete, com competência, em outros filmes de sua carreira.
Corra (Peele, EUA, 2017)
Muito falado quando saiu, se trata de um terror bizarro que tematiza o racismo nos EUA contemporâneo. O fato de tratar de forma bizarra a meu ver aumenta a violência daquele mundo e daquelas relações, e justifica a carnificina mostrada. Penso que a forma de narrar, mais especificamente o humor nesse filme, lembra o dos irmãos Coen, afinadíssimos na ironia para criticar coisas do mundo real.
Gravidade (Cuarón, EUA, 2013)
Alfonso Cuarón é um grande diretor mexicano, o melhor do trio conhecido mundialmente (Guillermo Del Toro e Alejandro Iñárritu). Ele foi responsável por mudar de patamar a sério de blockbusters Harry Potter ao dirigir o terceiro longa, O prisioneiro de Azkaban, dando um tom adulto e sombrio à trama adolescente. Aqui Cuarón grava não uma ficção científica, e talvez isso que mude a concepção que temos do filme e dá a sua grandeza: ele não se preocupa em inventar possíveis acontecimentos no espaço, com naves etc (isso não é juízo de valor, a obra-prima 2001: uma odisséia no espaço fala sobre coisas intangíveis). Cuarón faz, quebrando nossa expectativa para um filme de “ficção científica”, um filme real sobre a vida de dois astronautas no espaço e dos empecilhos e problemas enfrentados. Tudo isso gravado com muitos planos-sequência e com câmera subjetiva, o que leva a parecer que há um observador dentro da nave, observador que pelo enquadramento é o próprio telespectador. Uma experiência interessante.
História de um casamento (Baumbach, EUA, 2019)
Último filme de hoje, o longa da Baumbach concorreu ao último Oscar. É um filme muito bonito, com mínimos clichês, que enquadra em seu roteiro um momento específico vivido pelo casal muito bem interpretado por Adam Driver e Scarlett Johansson: a separação. Todo o conflito entre os dois gerado por anos irrompe, e percebemos que ainda tem muitos sentimentos um pelo outro mesmo vivendo tal situação. Trejeitos, olhares e falas dão notícia da intimidade tamanha que eles tinham e cultivavam, e isso se choca com problemas que ambos tem e que reverberam no casamento.
Por hoje era isto, espero que dê para aproveitar alguma coisa desse cardápio limitadíssimo que é a Netflix no que tange a filme bom. Semana que vem voltamos com mais dicas.
Rodrigo Mendes