Diante do descaso do poder público, trabalhadores do setor da cultura de Canoas (RS) exigem medidas emergenciais para lidar com a pandemia

Com a crise gerada pela pandemia do novo coronavírus, os trabalhadores ligados ao setor cultural do município de Canoas (RS)  se viram diante de uma situação crítica. A suspensão das atividades artísticas e culturais na cidade tirou a fonte de renda de centenas de artistas, agentes culturais, professores de arte, produtores locais, e muitos outros trabalhadores ligados ao setor cultural. O setor é composto em sua maioria de trabalhadores informais, que obtêm quase a totalidade de sua receita através de apresentações, eventos e captação de recursos através de editais e incentivos. Assim, diversos artistas e grupos do município viram a necessidade de organizar-se enquanto classe para reivindicar junto ao poder público medidas emergenciais de auxílio econômico.

Uma das ações de reivindicação partiu do Conselho Municipal de Políticas Culturais de Canoas, órgão que institucionaliza a relação entre a administração do município e setores da sociedade civil ligados à cultura. “O Conselho Municipal de Políticas Culturais de Canoas tem atuado desde sua formação como um órgão de diálogo, um fórum de debate  propositivo nas políticas públicas do município. No entanto, agora a gente tem enfrentado uma situação sem precedentes”, relata o ator, diretor, produtor cultural, autor de peças teatrais e presidente do Conselho, Denisson Gargione. “Nesse momento de crise, as políticas públicas são fundamentais e nós nos encontramos completamente desamparados. Diante disso, nós preparamos uma carta, que entregamos no dia 30, para o governo municipal. A gente apresenta uma série de alternativas e solicitações, algumas delas já deveriam ter sido realizadas pelo governo, porque são previstas em lei, como o lançamento do programa de incentivo à cultura, que não foi lançado nenhuma vez durante essa gestão.”

A carta foi encaminhada às autoridades do poder executivo e legislativo do município, o prefeito Luiz Carlos Busato (PTB-RS) e o vereador José Carlos Patrício (PSD-RS), ao secretário de Cultura e Turismo, Mauri Grando, e ao diretor do SESC Canoas, Cleber Costa de Arruda. No documento, o Conselho Municipal de Políticas Culturais de Canoas, além de apresentar propostas visando incentivar a produção cultural local, cobra a atenção do governo municipal para o setor, que atrasa repasses de verba de anos anteriores e não dialoga com a entidade. Até o fechamento desta matéria, as autoridades que foram assinaladas no documento não haviam dado resposta.

Denisson Gargione chama atenção para a necessidade de pagamento imediato do Microcrédito Cultural, edital da prefeitura do município que tem como objetivo “fomentar a economia da cultura local, promover a diversidade cultural e favorecer o desenvolvimento da cidadania incentivando artistas e grupos artísticos” (segundo o próprio documento do edital, disponível aqui), através do pagamento de uma verba de cinco mil reais a cada projeto aprovado. “Nós tínhamos a promessa de ser pago ano passado e não foi”, expõe  o presidente do conselho, relatando a situação do Edital Nº 48-2019, Microcrédito Cultural 2019-1, cujo pagamento deveria ter sido efetivado em dezembro do ano passado 2019 e nunca aconteceu, pois segundo ele a secretaria de Cultura do município sequer havia encaminhado o processo para o Ministério da Fazenda. “A impressão que a gente tem é que o processo ficou completamente parado durante meses, e agora há poucos dias encaminharam, e a gente tá dependendo da boa vontade da Fazenda, e do orçamento pro pagamento disto.”

Para Marcelo Militão, membro do conselho, ator e diretor do grupo Teatro Ideia Ação (TIA), a situação é crítica, e é necessário, mais do que nunca, valorizar os trabalhadores da arte. O TIA, grupo de teatro popular que tem como proposta um teatro experimental de intervenção social, cujo palco é a rua, completa 16 anos de existência em 2020, e tinha uma programação para comemorar a data. “Nunca houve algo tão violento em nossa trajetória. Nós temos 16 anos de trabalho continuado, ininterrupto. Nós vamos sempre nos reinventando, nos moldando diante das adversidades. Mas dessa vez está muito complexo.”, diz o ator. “Por isso reafirmo a importância dos governos, principalmente os municipais, valorizarem de fato essa cadeia produtiva, essa parcela, que não é pouca, de trabalhadores”.

A morosidade e o descaso do governo municipal  com o setor da cultura, ainda mais durante a pandemia, geraram indignação entre os trabalhadores do setor.  “Essa situação é lamentável, é insustentável e é revoltante.” desabafa o presidente do conselho. “O Conselho repudia essas ações, e espera sinceramente que ao menos o poder executivo municipal se sensibilize com essa situação, que está desesperadora”.

E não são apenas grupos e organizações locais de artistas e outros profissionais da arte que têm pressionado o poder público para tomar medidas. Desde o início da crise, organizações internacionais, como a Unesco e a Confederação Internacional de Sociedades de Autores e Compositores, lançaram iniciativas pressionando os governos nacionais para que sejam criadas políticas para a área da cultura. A Unesco, por exemplo, convocou uma reunião online de ministros da Cultura do mundo todo, na próxima quarta-feira, dia 22. O objetivo da reunião é discutir medidas para dar auxílio os artistas e para preservar o patrimônio cultural dos países.

“Nosso teatro é para a vida”, diz Militão. A promoção do acesso à arte e à cultura para todos é fundamental para a garantia de uma vida digna. O direito à cultura é um direito de todos. Além disso, a cadeia produtiva do setor cultural, mundialmente afetada pela pandemia, contribui diretamente para o desenvolvimento socioeconômico, gerando empregos e renda. É preciso pressionar o poder público, a nível municipal, estadual e federal, para que não esqueça do compromisso com o incentivo à cultura, que é um dos principais instrumentos de promoção da cidadania e de inclusão social que temos à mão.