Nas gravações de O poderoso chefão, Francis Ford Coppola sofreu com o desdém e arrogância de alguns técnicos e produtores do longa. Isso porque era um jovem e inexperiente cineasta que, embora criativo, tinha um problemão pela frente: numa época em que filmes de máfia haviam sido fracassos de público, ele, em um grande estúdio, a Paramount, tinha pela frente a produção de outro desses filmes. Ele conta que a tensão por uma produção que rendesse lucro ao estúdio era enorme e que a qualquer momento podia ser demitido. Coppola lançou-se definitivamente ao mundo cinematográfico com O poderoso chefão (The Godfather, 1972) onde juntou sucesso de bilheteria com um grande filme.
Pois bem, essa volta toda é pra dizer que, em 1974, e tendo vencido o prêmio máximo do Oscar dois anos antes, Coppola volta a todo vapor com O poderoso chefão: parte II e A conversação, ambos indicados ao Oscar e sendo aquele o grande vencedor com seis estatuetas. Mas o que nos interessa aqui é este, A conversação (The conversation, 1974), que sofreu um pouco de apagamento pelos prêmios do outro, mas que é certamente outro grande filme do diretor.
Se no primeiro chefão o diretor se valeu da influência de Hitchcock para construir a cena em que Don Corleone está internado e há uma tentativa de matá-lo, aqui essa influência vira regra geral. A conversação é um suspense[1] muito bem elaborado, cheio de silêncios e uma trilha sonora ao mesmo tempo aflitiva e singela, que nos conduz opacamente a uma investigação aparentemente sem resolução. Sempre acompanhando Caul, o investigador profissional e por isso paranoico com segurança, temos contato com seu trabalho, mas sempre de maneira difusa.
Coppola não nos dá muitas respostas e já na primeira cena parecemos boiar diante do andar lento e sempre seguro da câmera, acompanhando passantes em uma praça. O diretor começa desde já, através da mixagem de som, a sublinhar a angústia que permeará o filme todo. Distorções no áudio do que vamos descobrir depois ser uma gravação que vale 15 mil dólares arranha nosso ouvido.
A narrativa é construída lentamente e sem contrato de explicação com o telespectador. Sabemos pouco sobre Caul: que tem um caso com uma mulher e a visita periodicamente; que vive só; que já foi funcionário público; que é muito cristão. Essa falta de informação, ironicamente a busca central do enredo, nunca é suprida. E não é à toa que Coppola grava seus personagens muitas vezes atrás de paredes ou sob um véu. Também os planos, às vezes profundos e muitas vezes claustrofóbicos, cumprem seu papel, demonstrando visualmente o estado de ânimo do protagonista (que chega ao ápice na grande cena final).
O labirinto onde Caul se mete (tratando com pessoas do mais alto escalão empresarial) traz à tona a discussão do limite do seu serviço: até onde ele, enquanto trabalhador autônomo, não causa mortes indiretamente ao revelar informações cruciais aos seus clientes? Uma vida qualquer vale 15 mil dólares? Até essas perguntas moralistas dão o tom de quanto o filme poderia tomar um caminho ruim, sendo piegas com um final em que a virada na consciência do protagonista acontece iluminadamente, o herói salva o dia e o filme termina feliz. Mas Coppola, já maduro, escapa a esse final.
Caul definha até o final, como suas paredes arrancadas no segundo clímax do filme. A narrativa chega ao fim depois de subir muito alto na cena do hotel. Depois mantém o clima de tensão e acaba rasteiro, aos pedaços, já sem a fé, destruída loucamente por Caul em busca de algum indício de que estava sendo observado. Coppola, em um filme um pouco apagado mas de grande valor, constrói uma narrativa psicológica ao passo que também é objetiva – na busca material por informações – e representa esteticamente bem o estado de alerta de Caul. Dentro do difuso e do torto, e em um final aberto, o som do telefone ecoa ainda depois de desaparecer, e permanece Caul embrigado (e só isso que lhe resta) com uma boa dose de jazz.
[1] Uso com muita folga o termo, sendo A conversação uma mescla desse tipo de cinema com o de investigação, espécie de subgrupo dos gêneros cinematográficos.