Este é o terceiro texto da série “Como a Reforma Trabalhista Arranca Seus Direitos” (clique aqui para ler o texto de introdução). Hoje trazemos o tema do trabalho de mulheres, um grave ataque machista, e o trabalho intermitente, mais um retrocesso diante de tantas conquistas garantidas na base da luta pela CLT.
Esperamos que a leitura ajude a entender o tamanho do retrocesso e desejamos uma boa luta a todas e todos.
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TRABALHO DA MULHER GRÁVIDA
A CLT não permitia a continuidade do trabalho de mulheres grávidas em ambientes insalubres. Assim, constatada a gravidez, as trabalhadoras eram retiradas do local insalubre e postas em outro local, desde que a gravidez não fosse de risco e o trabalho não apresentasse outro problema. Porém, mesmo retiradas do local, permaneciam recebendo a sua remuneração com o adicional de insalubridade. Essa regra buscava garantir à mulher grávida a mesma condição financeira anterior, de modo a não sofrer redução na remuneração pelo simples fato de engravidar.
A reforma, originalmente, foi por outro caminho. Permitiu que as mulheres permanecessem no local insalubre. Essa foi a regra geral estabelecida pelos nobres Deputados e Senadores, que possuem as melhores condições de trabalho, com muitas regalias e sem qualquer contato com ambientes insalubres, penosos ou perigosos. Para ser afastada de suas funções deveria apresentar atestado médico que recomendasse o afastamento, por motivo de risco.
Já a MP 808 retornou a regra original, impondo como regra que a mulher gestante seja retirada de ambiente insalubre. Porém, desobrigou os empregadores de permanecer pagando o adicional de insalubridade. Ou seja, durante a gravidez, momento delicadíssimo, a mulher passará a ter uma remuneração menor.
Uma clara punição às mulheres que já sofrem com salários menores que os dos homens. Mecanismo perverso proposto por um governo machista, racista e ilegítimo.
TRABALHO INTERMITENTE
O trabalho intermitente é uma nova forma de relação de trabalho. Nela o trabalhador não possuirá jornada ou remuneração fixa. Será convocado a trabalhar a partir das demandas do patrão. Assim, jamais saberá o quanto trabalhará ou quanto será o seu salário.
Segundo o discurso oficial, busca regularizar os “bicos”, garantindo o pagamento de férias, décimo terceiro, FGTS e previdência. Por exemplo, garçons que trabalham somente nos finais de semana, ou vendedores que trabalham em períodos de maior movimento do comércio.
A ordem do discurso governamental é de que diminuirá o desemprego. As consequências, porém, são outras.
O trabalho intermitente é, de certa forma, comum em alguns países. A Espanha é um exemplo. Com a reforma trabalhista desse país, ocorrida em 2012, e proposta pelo PSOE (Partido Socialista Espanhol), esse tipo de emprego foi elevado como forma de trabalho ideal. Muitos trabalhadores que tinham jornadas fixas foram demitidos e recontratados como intermitentes. Hoje, 5 anos depois da reforma, a regra foi a precarização dos trabalhadores.[1] Tampouco, se diminuiu de maneira considerável o desemprego, ficando sempre às margens dos 20%.
Como dito, o trabalhador intermitente não sabe quando vai trabalhar e tampouco quanto vai receber no mês. Assinado o contrato, cabe ao empregador chamá-lo e o trabalhador deverá dizer se aceita ou não. A remuneração será paga de acordo com as horas trabalhadas – que não poderão ser inferiores ao valor horário do salário mínimo.
É a precarização do emprego em sua forma mais perversa. Muitos apoiadores desse tipo de contrato, inclusive, são bem claros ao dizer que os trabalhadores deverão assinar vários contratos para poderem ter alguma renda de subsistêcia.
Além disso, esse tipo de trabalho não permite o acesso a direitos sociais, tal como o seguro-desemprego. O trabalhador intermitente, quanto extinguido o contrato, independentemente do tempo de duração, não terá direito a esses valores, conforme §2º, do art. 452-E.
Também poderá ficar sem direito a previdência social.
A Medida Provisório 808 diz, claramente, que os trabalhadores que não alcançarem, no mês, a remuneração de um salário-mínimo poderão complementar a contribuição previdenciária, de seu próprio bolso. Aqueles que não o fizerem, mesmo tendo contribuído com valor menor, terão esse mês de trabalho desconsiderado para fins de “aquisição e manutenção de qualidade de segurado do Regime Geral de Previdência Social nem para cumprimento dos períodos de carência para concessão dos benefícios previdenciários”.
Assim, se o trabalhador, mesmo com carteira assinada, mesmo trabalhando, não for chamado por dias suficientes pelo seu empregador, não alcançando, assim, no somatório das horas pagas, um mero salário-mínimo, deverá arranjar um jeito de pagar o INSS, de alguma forma, ou ficará sem qualquer direito, como auxílio-doença, salário-maternidade, pensão por morte e aposentadoria.
Ou seja, aprovou-se um tipo de trabalho em que não existem garantias salariais ou previdenciárias. Tenta-se desmanchar os direitos básicos conquistados no início do século XX.
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[1] https://brasil.elpais.com/brasil/2017/06/16/economia/1497635788_119553.html