COMO A REFORMA TRABALHISTA ARRANCA SEUS DIREITOS – JORNADA DE TRABALHO

Este é o segundo texto da série “Como a Reforma Trabalhista Arranca Seus Direitos” (clique aqui para ler o texto de introdução). Hoje trazemos o tema da jornada de trabalho, mais um elemento que destrói a CLT e os direitos conquistados na base de muitas lutas dos trabalhadores brasileiros. 

Esperamos que a leitura ajude a entender o tamanho do retrocesso e desejamos uma boa luta a todas e todos.

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COMPENSAÇÃO DA JORNADA

Não existe na Constituição Federal as tais “horas extras”. A CF trouxe regra que buscou remunerar aqueles serviços extraordinários feitos para além da jornada de trabalho normal. As horas extras habituais, com as quais convivem a maioria dos trabalhadores e trabalhadoras, são uma prática absolutamente inconstitucional e que causa graves danos à sua saúde, não compensáveis com a mera retribuição financeira.

A compensação das horas, infelizmente permitida pela CF, não foge dessa lógica. Em vez de receber um pagamento pelo trabalho realizado para além de sua jornada, trabalhador e trabalhadoras poderão tirar esses períodos em “folgas”. Uma questão atraente, mas que, na prática das relações de trabalho, acaba causando prejuízos. Ora, quem decidirá os momentos de folga não é quem trabalha, mas o patrão, conforme seus próprios interesses.

O absurdo que chegou a reforma, entretanto, é maior. Enquanto a Constituição permite a compensação da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva, ou seja, com a participação dos Sindicatos, a Lei 13.467 permite no §5º, do art. 59, que seja feita por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no prazo de seis meses. Já se a compensação for dentro de um mês, o suposto acordo pode ser feito sem qualquer documento, apenas a pedido (oralmente) ou pela prática (tacitamente) cotidiana do trabalho.

Ou seja, exclui-se os Sindicatos dessa negociação, colocando, frente a frente, o trabalhador e a trabalhadora e a patronal. No fim, o suposto acordo é uma imposição. Ora aceite a compensação ou busque outro emprego!

 

REGIME DE PLANTÃO

A redação original da reforma permitia que o regime de plantão, ou seja, 12 horas de trabalho por 36 horas de inatividade, fosse realizado por acordo escrito. Entretanto, a Medida Provisória n.º 808 modificou o texto para permitir a instituição desse regime apenas a partir de acordo ou convenção coletiva.

Tal regime, analisado de maneira complexa não é permitido pela Constituição. Esta permite uma jornada diária máxima de 8 horas (mais 2 horas de serviço extraordinário) e jamais superior a 44 horas semanais. No regime de plantão, porém, pode-se chegar a 48 horas semanais.

Além disso, a reforma permitiu que não haja descanso durante a jornada, gerando, assim, um trabalho de 12 horas ininterruptas!

 

INTERVALO           

Um dos grandes desejos da patronal, o intervalo dentro da jornada de trabalho poderá ser diminuído para até 30 minutos, desde que aprovado em convenção ou acordo coletivo pelos Sindicatos.

Esse desejo não é novidade. No início de 2016, o vice-presidente da Federação das Industrias do Estado de São Paulo, Benjamin Steinbruch, defendeu que 1 hora de intervalo para almoço era muito, já que o trabalhador poderia comer um sanduíche com uma das mãos e mexer na máquina com a outra.[1] O defensor dessa medida, obviamente, não é um trabalhador e jamais precisou de intervalo para almoço, sendo herdeiro da família dona do maior grupo têxtil da América Latina (Vicunha Têxtil). Além disso, participou ativamente na privatização de empresas públicas, comprando ações da Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Vale do Rio Doce.

Ou seja, trata-se de uma medida de classe que não favorece os trabalhadores e trabalhadoras! Pelo contrário!

O intervalo de uma hora não é uma simples benesse. Trata-se de regra referente a saúde de quem trabalha. Apenas 30 minutos de descanso é quase uma jornada ininterrupta. O descanso favorece a recuperação física e mental do trabalhador. Certamente, trabalhos intelectuais, geralmente mais bem remunerados e ocupados por homens brancos, não sofrerão tanto com a possível regra, porém, são a minoria dos postos de trabalho no país. Trabalhadores domésticos, metalúrgicos, trabalhadores da construção civil poderão sofrer sérios danos a sua saúde.

 

INÍCIO DA JORNADA

Outra modificação da Reforma foi o fim das horas in itinere. Tais horas eram consideradas como a disposição do empregador, portanto, eram contabilizadas na jornada diária de trabalho. Essa situação era permitida quando o trabalho fosse exercido em local de difícil acesso ou sem transporte público e que o empregador disponibilizasse o transporte. Com a modificação, por exemplo, um acesso, dentro do ônibus da empresa, até o local de trabalho que leve duas horas não será considerada.

Além disso, a jornada só será contabilizada a partir do momento em que for ocupado o posto de trabalho, ou seja, chegar no local específico de exercício das funções. A troca de uniforme e banho não serão contabilizados. Nos casos de trabalhadores de empresas situadas em complexos industriais e que necessitam pegar um transporte interno, também terão excluído da contabilização da jornada o tempo em que passam dentro desse transporte, mesmo que seja a única forma de chegar até o seu local de trabalho.

 

 

CONSIDERAÇÕES

Tais modificações, como vimos, são extremamente prejudiciais, especialmente no que se refere a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras. O cumprimento da jornada deveria caminhar em outro sentido, ao menos numa perspectiva reformista, de diminuição das horas sem redução salarial. Infelizmente muitos sindicatos abandonaram esse desejo, chegando, inclusive, a propor a redução de jornada com redução de salário, entregando o boi ao ladrão, como no caso do Plano de Proteção ao Emprego, que será abordado em algum dos próximos textos.

Com a reforma trabalhista, nos vemos frente a essa situação que certamente atacará os trabalhadores e trabalhadoras mais vulneráveis, expostos a inúmeras condições insalubres, penosas, perigosas, ocupados geralmente por homens e mulheres negras.

 

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[1]    Parte da entrevista disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=Q4WyzCuWinE>, acesso em 05 de dezembro de 2017, as 13 horas e 13 minutos.