Coletivos em Cachoeirinha-RS organizam ato em defesa do Mato do Júlio

Por Repórter Popular RS

No dia 21 de dezembro de 2024, coletivos e população de Cachoeirinha organizaram um abraço coletivo no Mato do Júlio, espaço de preservação ambiental e histórica nos arredores desta cidade da região metropolitana de Porto Alegre/RS. O local passa por constantes propostas de alteração na regulação e de empreendimentos imobiliários, sob risco de destruição. O Repórter Popular RS acompanhou a mobilização e entrevistou algumas pessoas que dela participaram.

O Mato do Júlio é uma floresta de mata atlântica e resquícios do bioma pampa, localizada na região de Cachoeirinha, região metropolitana de Porto Alegre/RS. Conforme contaram à mídia Brasil de Fato, a posição de especialistas e participantes dos coletivos atuantes na área, como Associação de Preservação da Natureza do Vale do Gravataí e Coletivo Mato do Júlio, é de que o local tem função de retenção hídrica do Rio Gravataí, escoando água e diminuindo impacto de enchentes, por exemplo. Além disso, os 250 hectares de grande vegetação interferem na possibilidade de maior qualidade do ar desta região; a preservação de fauna e da flora; e um espaço que possibilita a vivência de etnias indígenas como dos guarani, com a Retomada Mato do Júlio.

Foto do Coletivo Mato do Júlio

Desde 2021, na Retomada Mbya Gurani Mato do Júlio, vivem cerca de 50 indígenas que reivindicam a demarcação territorial desta floresta, processo que tramita no Ministério Público. Já sofreram tentativas de reintegração de posse e a solicitação de demarcação anda lentamente nos mecanismos internos da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). Luciano, liderança local desta retomada, disse que além da preservação cultural e concreta da existência dos guarani, preservando flaura e fauna na sua subsistência, o local tem diversidade de plantas medicinais que vem sendo utilizadas e pesquisadas por eles.

Outro fator interessante do local, é que ele tem importância histórica em detrimento de uma casa que foi construída no período colonial, e resguarda elementos históricos da escravização do povo negro. A Casa dos Baptista, situada nesta área de floresta, é o segundo imóvel mais antigo do estado do RS, que era uma casa de charque e contêm ruínas de uma sensazala. Atualmente está mal cuidada. Integrantes do Coletivo Mato do Júlio chegaram a defender que este local poderia ser transformado num museu, integrando às características de preservação ambiental e histórica através da educação e memória.

No dia 21 de dezembro, coletivos envolvidos chamaram um Ato em Defesa da Preservação Ambiental, defendendo a última floresta da cidade de Cachoeirinha; denunciando o descaso com os locais que contribuem na retenção hídrica, diminuindo impacto de enchentes como as que recentemente vivenciamos; protestando contra o descaso com as famílias atingidas pela enchente, exigindo isenção do IPTU 2025.

Junto ao ato se somaram coletivos de Cachoeirinha como o Simca (Sindicato dos Municipários de Cachoeirinha) e da Comissão de Moradores do Parque da Matriz de Cachoeirinha, que surgiu após as enchentes de maio; também teve a presença de coletivos de Porto Alegre como SOS Floresta Sabará e Preserve Morro Santana, que vêm se mobilizando contra empreendimentos do grupo Zaffari-Melnick na Floresta Itu-Sabará (link matéria), empreendimentos imobiliários na região do Morro Santana e interferências no Parque Saint Hillaire .

No local, que foi o Parcão de Cachoeirinha, os grupos se juntaram e debateram a situação do Mato do Júlio, as reivindicações e posições dos coletivos e movimentos. Depois fizeram um cordão humano, realizando um abraço numa das áreas de divisa desta floresta com a cidade. Houve a participação de cerca de 250 pessoas e a junção dos coletivos pode fortalecer essas lutas que não se resumem apenas a este local.

Jeferson, um morador do Parque da Matriz e que foi afetado pela enchente de maio de 2024, diz que “quem é a favor do desmatamento do mato, ou não entendeu a gravidade da situação; ou a tendência é que esteja ganhando alguma vantagem com isso…”

Rosane, professora e militante da educação, parece apontar que além de denunciar as vantagens de alguns é preciso balizar com os prejuízos e efeitos nas vidas das pessoas e populações, e os sentidos que envolvem questões comuns, de dignidade:

“A gente está aqui pra se somar na luta, que é de todos nós. A gente entende que, tão importante quanto a consciência de classe, é a consciência ambiental. A gente precisa preservar, é uma área de mato muito importante pra fauna e pra flora…O homem precisa parar  com essa mania de ver cifrão em tudo, e achar que tudo se resolve com construção e cimentando tudo. Depois a conta vem e normalmente ela vem alta”.

A exemplo de como a conta pode vir alta, como disse Rosane, a população que vive no Bairro Parque da Matriz sabe bem, e com memórias dolorosas. Silva e Elaine, que integram a comissão de moradores do Parque da Matriz, nos contam que elas e muitas outras pessoas foram atingidas pelas enchentes de maio de 2024.

A região do bairro teve 18 ruas alagadas, com perdas humanas e materiais incalculáveis. O grupo vêm se mobilizando e tentando organizar negociações com a prefeitura local, exigindo projetos, limpeza do Rio Passinho e outras obras de prevenção de alagamentos. Diante da mobilização de preservação do Mato do Júlio, que toca o entorno do bairro, além das preocupações em torno da preservação ambiental da fauna e da flora, o grupo tem a preocupação de que novas interferências ambientais podem gerar novos e maiores riscos de alagamentos, e isso precisa ser dimensionado pela prefeitura e responsáveis pelo planejamento urbano. Segundo Elaine:

O que pesa pra nós é o risco de desmatamento do mato…Se alguma construção for feita aqui perto, a água vai descer com mais velocidade para nossa área.. Eu fui atingida. Quem passou por isso, saiu de casa, perdeu tudo, sabe o que nós estamos fazendo aqui…É inadmissível a ganância das pessoas em querer construir…alegando empregos, desafogar a av Flores da Cunha… é inaceitável. Tem que deixar o mato como está.

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