Por Filipe Rossau*
O brasileiro Eles Não Usam Black-Tie é um filme para aprender a gostar de política e sindicalismo, ou pelo menos foi assim que me indicaram o longa de Leon Hiszrman. Eu, particularmente, concordo.
Lançado em 1981, a produção não teve nenhum problema conhecido com os órgãos censores do Governo Militar (1964-1985). Talvez por não fazer menção direta a eventos ou datas específicas, embora fique marcado que a história acontece entre os Anos de Chumbo, período de maior repressão dentro do regime.
O longa se baseia e leva o mesmo nome da peça de teatro de Gianfrancesco Guarnieri, que também atua no filme, como Otávio, um pai de família e operário idealista, atuante na luta por melhores direitos para a classe trabalhadora. Otávio é pai de dois filhos, Chiquinho e Tião (Carlos Alberto Ricelli). Tião é o oposto do pai: não está na vida de sindicalista e prefere a estabilidade, para sustentar sua esposa, Maria (Bete Mendes), a se voltar contra os patrões da fábrica onde trabalha. No meio deles, está Romana (Fernanda Montenegro), que é esposa de Otávio e mãe dos rapazes, e também a balança entre a guerra de ânimos dentro do lar.
O filme é um retrato fiel do cenário social daqueles anos, mas apresentado do ponto de vista da classe C: casas de dois quartos, bares empoeirados com mesas na calçada, manifestações de rua, repressão policial e sindicatos vendidos para os patrões. Nesse contexto, os opostos pai e filho apresentam, cada um por seu lado, motivos para se posicionar contra ou a favor no campo político. E um dos méritos de Guarnieri e de Leon Hirszman no trabalho com o roteiro, que assinaram juntos, é como cada personagem consegue argumentar, através das atitudes, sobre suas razões.
Ao longo da trama, as diferenças entre Otávio e Tião ficam mais expostas. E os conflitos aumentam quando Maria, então grávida, resolve apoiar os grevistas em uma paralisação, a qual Tião opõe-se. As controvérsias dos personagens aproximam o drama do cotidiano da vida real.
O filme é bastante didático na parte política, com diálogos elucidativos sobre as razões e as consequências das ações dos trabalhadores e trabalhadoras na luta sindical e como as questões individuais atravessam a cabeça destes. Interessantemente, o longa também é de fácil compreensão como filme em si, com cenas que obedecem a um rigor teatral, onde uma fala só inicia quando a outra termina, garantindo assim a liberdade no desenvolvimento das ações.
Eles Não Usam Black-Tie é um bela mostragem do amadurecimento da produção cinematográfica brasileira que começou a se fortalecer 20 anos antes, na década de 1960, com o chamado Cinema Novo. O elenco é recheado de grandes atores das telonas e novelas do Brasil, como Anselmo Vasconcelos, Francisco Milani e Milton Gonçalves. Foi premiado no Festival de Veneza e no Festival de Havana, e tem trilha sonora composta por Adoniran Barbosa e Chico Buarque. Assim, o filme mostra que a baixa qualidade do cinema no Brasil existe somente para quem não conhece nossas produções.
O Repórter Popular recomenda ainda os filmes ABC da Greve (1990), também de Leon Hiszrman, e Braços Cruzados, Máquinas Paradas (1979), de Sergio Toledo Segall.
* Substituindo Rodrigo Mendes