O primeiro sábado da primavera de 2024 foi ensolarado na ilha do Desterro. Os tons coloridos daquele dia, 28 de setembro, formaram o cenário sobre o qual uma onda verde tomou o centro da ilha. No mesmo dia, milhares de pessoas tomavam as ruas pelos diversos cantos do território latino-americano, unidas por uma motivação em comum. As ações buscavam chamar a atenção para o Dia de Luta pela Legalização do Aborto, data que é celebrada na América Latina e Caribe desde os anos de 1990.
Desde um ponto de vista que entende o aborto como tema de saúde pública, a data de 28 de setembro busca criar um momento de reflexão coletiva. Que condições levam pessoas a recorrer ao aborto? Que benefícios há em prender uma pessoa que passou por um aborto? Como evitar que pessoas tenham que buscar métodos arriscados para abortar? Essas são algumas questões que circulam o tema e que são retomadas periodicamente por meio do recurso de uma data marcada no calendário.
Em Florianópolis, o ato do último dia 28 foi a conclusão do cronograma de atividades realizadas no mês de setembro. A movimentação naquele dia teve início pela manhã, quando pessoas usando o característico lenço verde se reuniram no Largo da Alfândega. A agitação por ali foi diversa e incluiu gente fazendo bordados, Mana Moa MC no comando do microfone aberto para atrações artísticas, crianças comendo bolo, faixas pintadas para expressar desejos de vida, além de batucada e cantos de esperança.
Na sequência, a Frente Catarinense de Luta pela Legalização e Descriminalização do Aborto convidou as pessoas ali reunidas para um ato pelas ruas do centro. A caminhada seguiu, ao fazer eco daqueles corações desejosos por um mundo livre de machismo, e teria sido tranquila do início ao fim, não fosse a participação inconveniente de um homem branco. Com as mãos empunhadas em gestos violentos, o homem gritou palavras de afronta e tentou intimidar pessoas que participavam da atividade. Suas tentativas foram frustradas pela ação rápida das pessoas, que o afastaram da atividade e continuaram em marcha até a praça XV.
Em seguida o grupo de mais de 100 pessoas tomou a escadaria da catedral metropolitana, onde uma fumaça verde foi usada como símbolo de luta pela vida. A demanda daquelas pessoas, marcada pelas ações do dia 28 de setembro, é pela vida. Nas palavras das manifestantes, enquanto as decisões sobre o corpo das pessoas estiverem nas mãos de instituições que tem o machismo em sua essência, a vida está ameaçada. Enquanto o direito ao aborto seguro for negado, a vida de mulheres negras e de outras pessoas marginalizadas pela sociedade está em risco.
O caminhar por um setembro verde
Em Santa Catarina, a cor verde transbordou em setembro e esteve além do dia 28. A estratégia da Frente Catarinense foi criar fagulhas de conversas sobre o tema durante todo o mês. A ideia tomou forma a partir da noção de que falar sobre aborto implica em falar sobre uma variedade de questões, como crenças religiosas, educação nas escolas, condições de trabalho, acesso à informação, cuidado com crianças e adolescentes.
Esses e outros assuntos precisam ser pensados quando buscamos entender o aborto como um elemento de justiça reprodutiva. Tal conceito passou a ser usado pelas mulheres negras, para reivindicar que direitos sexuais e reprodutivos sejam garantidos em sua totalidade. Isso significa garantir condições para que as pessoas possam criar seus filhos e que esses filhos sejam fruto de uma escolha consciente. Por outro lado, significa também que as pessoas que abortarem não tenham que correr o risco de morrer por falta da assistência segura e gratuita de um hospital.
Foram mais de dez atividades promovidas em cidades catarinenses, que buscaram oferecer espaços de diálogo sobre esses assuntos. Em Tubarão e Blumenau, grupos organizaram a exibição de filmes e rodas de conversa. Em Floripa, houve oficinas direcionadas ao diálogo sobre religião, educação, consentimento e questões legais que envolvem a prática do aborto. Durante as atividades, a participação de públicos diversos em idade, gênero e classe social demonstrou que este tema é atual e desperta o interesse das pessoas. Logo, ao ampliar as oportunidades de diálogo, a Frente Catarinense tem cumprido um papel necessário.
A foto da capa é de Bianca Taranti/Catarinas.