Ato em Solidariedade a Mariana Ferrer – Volta Redonda

Protagonistas de diversos processos de luta na cidade de Volta Redonda, na tarde desta última sexta-feira (06/11) nós, mulheres, saímos às ruas para ser resistência ao sistema patriarcal, à justiça burguesa e para prestar solidariedade à Mariana Ferrer e a todas as mulheres assediadas e oprimidas diariamente.

Nós fomos às ruas porque sentimos na pele o que Mariana passou. Somente no estado do Rio de Janeiro, uma mulher é estuprada a cada 2 horas. Ou seja, somente no período em que estávamos em marcha nas ruas, uma de nós foi vítima. Vale lembrar que esse número ainda é fruto de uma subnotificação. Apenas 1 em cada 10 mulheres que sofrem violência procuram uma delegacia, ou algum tipo de ajuda do Estado. Isso significa, que na verdade, 20 mulheres podem estar sendo estupradas neste curto período de 2h em nosso estado.

Em Volta Redonda, no ano de 2017, 44 estupros foram registrados. As cidades vizinhas, como Resende, Barra Mansa, Barra do Pirai e Valença trazem números também muito próximos. Isso significa dizer que é feito o registro de pelo menos uma jovem estuprada por semana em cada uma dessas cidades. Em 70% dos casos, as vítimas tem até 17 anos. Outro ponto importante de ser levantado, trata-se da identidade do abusador. Diferente do imaginário e do caso de Mariana, a maior parte dos casos de violência contra a mulher não vem de estranhos. A maioria das mulheres continua sendo vítima de violência dentro da sua própria casa e os agressores são pessoas do convívio da vítima, como namorados, companheiros, ex-companheiros, pais, padrastos, parentes e conhecidos.

Se a mulher vive em risco, a mulher preta ou parda vivencia riscos maiores. O racismo e suas consequências agravam o risco de lesão e morte para mulheres pretas e essas inclusive sofrem duas vezes mais violência na rua do que mulheres brancas. As violências também estão atreladas a classe social e nível de educação formal. Mulheres que possuem ensino superior identificam com mais facilidade violências psicológicas, moral e assédio, enquanto mulheres com baixa escolaridade podem não conseguir perceber que estão sendo violentadas. As opressões são interseccionais e seu combate também precisa ser.

Nós estivemos nas ruas também para denunciar um julgamento centrado na desmoralização da vítima, estratégia da defesa já bem conhecida por quem trabalha nessa área do direito e que apela para uma lógica machista que visa retirar o acusado do centro da discussão e desacreditar a moral da vítima. Após dois longos anos de processo, a vítima é humilhada pelo advogado de defesa de André Aranha (o estuprador), Claúdio Gastão, durante toda a audiência. O crime foi tipificado sobre um termo que sequer existe no código penal: “estupro culposo” onde, similarmente ao homicídio culposo o estuprador não teria a intensão de estuprar e então recebe um abrandamento da sua pena.

O caso de Mariana não é isolado. Ele se repete infinitas vezes, com muitas mulheres, nas várias instâncias do Estado pelas quais essas precisam passar para realizar a denúncia de violência na esperança de que a justiça seja feita. Elas são negligenciadas, invisibilizadas, silenciadas e desmoralizadas enquanto

buscam por ajuda. Isso nos mostra o quanto o aparato de justiça do Estado é construído, não para dar segurança aos vulneráveis, mas sim para oferecer proteção aos poderosos. Esse sistema não busca fazer justiça, pois seu único objetivo é o de estabelecer controle social sobre as classes populares. Não é um sistema de justiça, mas sim de opressão.

Exigimos um novo julgamento, agora sim, focado no agressor. Não porque acreditamos que a solução aos crimes contra mulheres virão da justiça burguesa e do punitivismo, mas sim porque compreendemos que os exemplos de silenciamento da vítima desestimulam outras tantas mulheres a denunciarem seus agressores. Enfrentar a violência exige romper barreiras impostas tanto pelo agressor – como jogos psicológicos, crença na mudança do parceiro, novas agressões – como o medo de ser julgada pela sociedade, autoridades e de no fim, não conseguir justiça. Alguns dados revelam que a maioria das mulheres não tomam atitude frente à violência sofrida (52%). Elas permanecem em silencio e tornam-se posteriormente vítimas de feminicidio. Dentre as que buscam algum tipo de ajuda, apenas 22,2% procuram órgãos oficiais, enquanto quase 30% buscam ajuda apenas com a família, amigos e igreja.

Esses números nos mostram que não basta apenas criar leis penais. Na realidade, leis penais focam sempre em ampliar os mecanismos de punição já existentes e não buscam pela implementação de políticas públicas que acolham a vítima e ou por estratégias de prevenção que trabalhem a origem da violência. Um grande exemplo, é de que a transformação do estupro em crime hediondo não foi capaz de inibir os abusadores e diminuir os índices de violência. Para realmente mudar o quadro das opressões às mulheres, precisamos necessariamente desconstruir normas sociais que contribuem pra desigualdade de gênero, raça e classe. Melhor do que criar uma promessa de punição, é criar mecanismos de mudanças de paradigma social e fortalecimento das mulheres, evitando criar espaços para que as violências possam ocorrer.

No modelo em que nossa sociedade está estruturada hoje, o caso de Mariana constitui a regra. A mulher é invalidada. O poderoso sai impune. A justiça serve aos de cima. O capital e o patriarcado se fortalecem. Uma mudança efetiva não virá desse sistema, pois não há por parte dele interesse na mudança. Precisamos nós, mulheres (e homens) organizadas e combativas, não deixar passar o descaso dos de cima para com o povo. A mudança depende de nossa capacidade para nos unirmos, nos organizarmos, nos fortalecermos e construirmos. Construirmos com nossas mãos e em nosso cotidiano estruturas de combate ao machismo, ao racismo e a lgbtqifobia, sem por crédito na justiça que nos mostra a cada passo que já tem um lado.

Solidariedade a todas nós.
Resistência Popular Estudantil – RJ

Fontes:

http://www.iff.fiocruz.br/pdf/relatorio-pesquisa-2019-v6.pdf