De baixo para cima: Ateneus libertários como referência para lutas sociais

De baixo para cima: Fazer Democracia Direta

O Repórter Popular é uma ferramenta de comunicação feita pelo e para o povo. Ou seja, estamos comprometidos com uma ideia de democracia radical. Em conjunto com a militância da Resistência Popular e o Ateneu Libertário A Batalha da Várzea apresentamos a série de textos “De baixo para cima: Fazer Democracia Direta”. Os textos abordarão experiências de luta popular construídas desde a base.

Esperamos que a leitura possa provocar reflexões nessa conjuntura de tanto autoritarismo. Fiquem agora com o primeiro texto da série.

Ateneus libertários como referência para lutas sociais

Por Ateneu Libertário A Batalha da Várzea

Difundir e promover os pensamentos e as ideias presentes nos movimentos de lutas sociais é uma parte importante para a construção de uma maior autonomia na organização popular. Não é a toa que verificamos ao longo da história que os trabalhadores e trabalhadoras, quando se organizam em torno de suas reivindicações, também constroem espaços para a troca de ideias, promoção de atividades culturais e debates. Exemplos disso são os ateneus, cujas primeiras experiências conhecidas são da segunda metade do século XIX, na Europa. Naquele momento, o velho continente fervia em lutas operárias e estes perceberam que era necessário também construir espaços para trocar conhecimento em um contexto em que boa parte da classe trabalhadora não tinha acesso à alfabetização.

Os ateneus eram e são centros sociais voltados para a produção de saber popular, alfabetização, bibliotecas, ciclo de debates, pedagogia radical; difusão de idéias, periódicos e livros; criação cultural pelo teatro, a música, as artes; lugar de encontro e união do bairro, onde se discutem pautas para atuar sobre demandas populares que ampliam o escopo dos sindicatos; formas associativas de defesa dos inquilinos, do consumo popular, modos de vida cooperativa e solidariedade com as lutas sociais e os presos por lutar.

Foi com o objetivo de promover arte, cultura e o conhecimento em geral que a tradição dos ateneus chegou ao Brasil, possivelmente pelos portos junto com os imigrantes vindos da Europa que ajudaram a construir os movimentos de lutas em nosso país. Nem todos os centros voltados para o debate político e às questões culturais ganharam o nome de ateneu. Os militantes organizados na Federação Operária do Rio Grande do Sul, por exemplo, criaram escolas, teatros, salas de leitura e bibliotecas, isto no período de maior atividade da federação, a partir da década de 1910.

A partir daí, seguiram experiências semelhantes em diversos estados brasileiros, como São Paulo e Rio de Janeiro, com algumas destas sendo alvo da repressão da Ditadura Civil-Militar (1964-1985) e podendo serem abertas somente após o fim do regime.

Dias atuais

No Rio Grande do Sul, o Ateneu Libertário A Batalha da Várzea é uma dessas experiências atuais que funcionam neste sentido. Fundado em 2007, já teve outros endereços como sede. Nasceu na Travessa dos Venezianos, rua tomada por residências tombadas como patrimônio histórico; depois, ocupou um espaço no Clube de Cultura de Porto Alegre. Em 2016, se mudou para o bairro da Azenha, local marcado desde o início de Porto Alegre como território negro.

Atividade pública sobre repressão aos movimentos sociais realizada no Ateneu Liberário A Batalha da Várzea.

Hoje, abriga a biblioteca A Conquista do Pão, que guarda títulos históricos como edições do jornal A Voz do Trabalhador, criado no primeiro congresso da Confederação Operária Brasileira, em 1906; espaço voltado para o trabalho jurídico em defesa dos direitos humanos; e é dividido com o conjunto musical La Digna Rabia, banda cujas letras abordam lutas populares.

Funcionando na forma de associação cultural e autogestionária, tem caráter aberto à participação e é mantido por militantes e organizações simpáticas. Com adesão voluntária, não recebe dinheiro de partidos políticos, governos ou empresas, a fim de manter a independência de classe em seus princípios e em sua finalidade. As tarefas são divididas para que se mantenha o espaço em boas condições.

Repressão

Como é comum em nossa sociedade, iniciativas que ajudam a construir a autonomia dos lutadores sociais viram alvos da repressão. No Ateneu A Batalha da Várzea, a primeira ocorreu em outubro de 2009, durante o governo Yeda Crusius (PSDB), quando foi invadido por policiais que apreenderam equipamentos, arquivos e materiais de propaganda. Essa ação foi motivada por uma campanha com cartazes de rua para denunciar a então governador Yeda Crusius pelo assassinato do sem-terra Elton Brum da Silva pela Brigada Militar. Em junho de 2013, durante o governo Tarso Genro (PT), policiais entraram novamente no espaço, onde apreenderam vários livros de literatura anarquista. Em 2017, uma nova operação da Polícia Civil, já no governo de José Ivo Sartori (PMDB), fez buscas em um dos antigos endereços do Ateneu.

Para as ideias libertárias e de democracia direta, o ateneu encarna o projeto de uma sociabilidade vivida em oposição à sociedade capitalista. Práticas coletivas e solidárias na cultura, no lazer, no tempo que sobra do trabalho, que prefigura o socialismo com a vivência dos seus valores, pela força dos exemplos cotidianos.

A Batalha da Várzea

O espaço leva o nome de um dos episódios mais memoráveis da luta popular no Rio Grande do Sul. A Batalha da Várzea foi um confronto em meio à Greve Geral de 1917, quando a repressão contra os grevistas era muito forte e, pouco tempo antes, a Brigada Militar havia assassinado um operário. Na região onde hoje é situado parte do centro de Porto Alegre, uma manifestação reuniu milhares de trabalhadores e trabalhadoras que, ao serem atacados pela polícia, revidaram com um buquê de flores. A responsável por levar o buquê até a tropa foi Espertirina Martins, militante anarquista que, com apenas 15 anos, carregava uma bomba entre as flores. A ação significou a vitória dos manifestantes naquele dia.

Grafite em referência a Espertirina Martins.