Os ataques do governo Udo Döhler às crianças, adolescentes e mulheres de Joinville

O dia 12 de outubro é mais uma data capitalista para “celebrar” o ser criança. Todas as formas de publicidade enfatizam diferentes aspectos desse ser. A classe política dominante não é diferente, faz da demagogia o seu ato de celebração da infância e adolescência. Em Joinville, nos primeiros dias de outubro de 2019, fomos surpreendidos com uma ação demagógica e de retirada de direitos das crianças, adolescentes e mulheres. Na ocasião, o prefeito Udo Döhler, por meio do seu secretário municipal de assistência social, Vagner Ferreira de Oliveira, encaminharam a privatização do Abrigo Infanto Juvenil e a terceirização da Casa Abrigo Viva Rosa, destinada para mulheres com vulnerabilidade social.

Antes de continuar, é preciso situar a leitora e o leitor sobre os dois espaços e a sua importância na garantia de direitos sociais. Ambos têm seus endereços desconhecidos por conta da necessidade de garantir a segurança dos públicos atendidos. Nos últimos 30 anos, o abrigo para crianças e adolescentes atendeu milhares de pessoas vítimas de violência, sempre com um olhar ético e técnico para que as usuárias e os usuários encontrassem a garantia de vida minimamente sustentada nos direitos humanos.

A Casa Abrigo Viva Rosa é uma conquista histórica do movimento de mulheres, organizado no Fórum de Mulheres de Joinville (FMJ) e pelo Centro dos Direitos Humanos Maria da Graça Bráz (CDH). A Viva Rosa atende mulheres vítimas de violência machista e, em sua imensa maioria, mulheres das periferias da cidade. Apesar da sistemática precarização por parte da Prefeitura Municipal de Joinville (PMJ), em especial nos dois mandatos do atual prefeito Udo Dohler, toda classe política diz defender os direitos das crianças, adolescentes e mulheres. O mesmo discurso é realizado por empresários e diversas denominações religiosas. Em nosso entendimento, não é possível defender os direitos sociais fazendo uma aliança com a iniciativa privada que visa somente o lucro, onde seres humanos são entendidos como números e potenciais fontes de renda para as organizações sociais.

 

A Assistência Social no âmbito da luta popular

Por muito tempo a política de assistência social foi entendida como uma atividade política da “primeira dama”, nesse sentido a assistência social era vista como um “ato de caridade tipicamente do dom feminino”, muitas vezes ligada à cultura religiosa cristã e de ação social da burguesia. As medidas “educativas” serviam para manipular e orientar moralmente as crianças e adolescentes, para atender as demandas da própria da classe dominante. No contexto da transição da ditadura civil-militar para a abertura política tutelada  e pactuada entre elites e milicos, os movimentos sociais de diferentes segmentos passaram a trazer novos olhares e interpretações sobre a necessidade de proteção social por meio dos serviços públicos de qualidade. Além de propor ações técnicas, como cuidados pedagógicos e psicológicos,  dentro dos limites dos direitos humanos no Brasil, buscou-se garantir a ideia das crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e agentes políticos.

Nesse processo, a política de assistência social não recebeu um olhar cuidadoso por parte da esquerda reformista ou revolucionária. Apesar dos avanços em termos de normatização e orientação técnica, a assistência social segue sendo instrumento do tradicional “assistencialismo” com um fim em si mesmo, ou seja, ela não é considerada um espaço possível para construção de lutas por questões materiais. Em nosso entendimento, pensar dessa forma é um erro político. A assistência social atende diretamente os setores mais precarizados na cidade capitalista: mulheres, criançasadolescentes e uma parcela significativa da população negra. É terreno fértil para semear as rebeldias das e dos de baixo com frequente sofrimento.

Afinal de contas, as políticas de assistência social, mesmo dentro do marco da ordem capitalista e estatal, são conquistas políticas de intensas lutas populares, de setores das classes oprimidas organizadas em movimentos de mulheres, meninos e meninas de ruas, população em situação de rua e de direitos humanos. Cabe a nós entender, dentro daquilo que Bakunin chamava de “pedagogia da luta”, esses marcos como parte do aprendizado por meio de conquistas, ainda que limitadas, mas reais do povo organizado.


Os ataques à Proteção Social em Joinville

No cenário de ataques aos direitos sociais conquistados, as medidas de terceirização e privatização dos direitos sociais é constante. Em audiência, no dia 1º de outubro de 2019, o secretário Vagner Ferreira de Oliveira, sustentou a privatização com base em lei sancionada no governo Dilma, como a normatização que juridicamente possibilita organizações sociais e entidades privadas de fazerem a gestão e atendimento de serviços fundamentais para crianças, adolescentes e mulheres.

Frente ao cenário de privatização dos espaços de acolhimento, o CDH, Sindicato dos Servidores Públicos de Joinville e Região (Sinsej), FMJ, Movimento Passe Livre (MPL), Maracatu Baque Mulher, uma parte independente do movimento estudantil e outras forças do povo organizado pressionaram a PMJ. Foram ações como audiência pública, reuniões com o prefeito Udo e o secretário de assistência social Vagner, organizadas pelos trabalhadores e trabalhadoras da assistência social, junto com usuários e usuárias dos serviços, que abraçaram e mobilizaram os locais de abrigo, terrenos férteis da rebeldia popular.

Como sempre é para o povo latino-americano, vivemos na fronteira entre a desesperança e a esperança. A pressão popular em curto período resultou uma derrota e uma vitória. O Abrigo Infantil Juvenil foi fechado, as crianças e adolescentes foram destinados para uma casa abrigo ligada à Associação Diocesana de Promoção Social (Adipros), entidade privada que tem relação com a Diocese de Joinville. Isso é um problema, pois o número de servidores públicos de 20 pessoas foi reduzido para cinco, sendo duas delas da rede de famílias acolhedoras. Sem um olhar crítico, pode parecer interessante um espaço menos “institucionalizado”. Porém, no contexto de crise econômica e corte de recursos públicos, a tendência é que haja mais desproteção social e menos engajamento coletivo e público nos processos de garantia de direitos, com muito risco de, mesmo na melhor das intenções, se retroceder ao assistencialismo religioso e privado.

Por isso, as nossas perguntas pairam no ar: “como serão atendidas crianças e adolescentes de religiões distintas do catolicismo ou sem religião?” ou “como a questão de gênero será tratada pela Adipros?”. Para avançar rumo à proteção e qualidade de vida de crianças e adolescentes, é preciso mais investimento público para garantir uma vivência de qualidade e projetos político-pedagógicos que apontem para a construção da autonomia.

A Casa Abrigo Viva Rosa não será fechada. É um vitória da luta popular. Porém, ficou o indicativo de que o tema deve voltar à tona no próximo ano. Cabe aqui, mesmo na conjuntura adversa, não ficar refém de apagar os incêndios promovidos pela classe dominante. Vamos seguir adiante, organizar a luta para denunciar a precarização da Viva Rosa e exigir a ampliação dos direitos sociais fundamentais para combater a violência.

Maikon Jean Duarte é membro do colegiado do Centro dos Direitos Humanos Maria da Graça Bráz, de Joinville/SC.